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Bárbara Ferrito

Enegrecer a toga

Quando atuam de forma mecânica, instituições tendem a repetir o racismo

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Bárbara Ferrito

Juíza do Trabalho no Rio de Janeiro, é autora de “Direito e Desigualdade” (LTr editora)

Somos constantemente impactados com a violência do racismo. São casos que se amontam, tornando impossível negar o racismo da sociedade, que exclui, discrimina e mata corpos negros. Sendo estrutural, o racismo integra o funcionamento normal da sociedade.

Interessante, então, pensar como as instituições reproduzem essas dinâmicas, permitindo a manutenção de práticas racistas naturalizadas. A exclusão de parte do povo da participação nas arenas de poder é uma forma de manter tais estruturas. Enfrentar a baixa representatividade dos negros no Poder Judiciário coloca-se, portanto, como questão fundamental para desafiar a lógica racista posta.

É preciso, inclusive, pensar nos desdobramentos dos vários marcadores de vulnerabilidade social para perceber o apagamento das mulheres negras das carreiras jurídicas. Minoria das minorias, a mulher negra carrega a dupla discriminação de raça e gênero, que dificulta o acesso a postos de decisão.

Refletir sobre isso é papel de todos, pois impacta na solidez da democracia, moldada por instituições das quais todo o povo participa ou deveria participar.

E se é verdade que o discurso da meritocracia nos ensina que o concurso seleciona os melhores, também é fato que o racismo, o sexismo e a pobreza definem quem pode ser candidato. Há, pois, uma disputa prévia e invisível que elege os aptos a competir, relegando aos demais posições subalternas. Se o discurso do mérito afaga a mente dos que ingressam, devemos inverter a lógica e pensar a partir do demérito.

Muitas vezes o sucesso ou fracasso, visto como decorrência de escolhas pessoais, é, na verdade, fruto das estruturas discriminatórias da sociedade. Então nos perguntamos: qual o demérito daquele que não teve oportunidade de estudar, precisou trabalhar desde cedo, não tinha segurança alimentar ou física, conviveu com a violência social?

Percebendo que as instituições, quando atuam de forma mecânica, tendem a repetir o racismo da sociedade, os juízes trabalhistas, na figura da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), têm buscado agir conscientemente para alterar as engrenagens. Uma dessas ações consiste no projeto "Enegrecendo a Toga", que busca estimular a inserção de negros —mulheres, em especial— no Judiciário trabalhista. Atuarão como professores, magistrados voluntários, ministrando aulas aos candidatos a fim de auxiliar na preparação para o concurso. Cientes de que a política de cotas, muito necessária ainda hoje, não é suficiente para cobrir o déficit de integração racial, esses juízes se colocarão à disposição para construir a condição necessária à participação desse grupo social no Judiciário.

A concretização da Constituição, sobre a qual todo juiz fez seu juramento, depende também da visão crítica do papel de magistrado e de participante das arenas de poder. Que cada um, a partir de seu lugar de ação, consiga encontrar maneiras de tornar viva a sociedade livre, justa e solidária que o constituinte nos prometeu.

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