Cada indivíduo tem uma opinião sobre a legalização dos jogos. É um daqueles debates inevitáveis realizados entre amigos, políticos, religiosos e sociedade. Os jogadores discutirão sobre a hipocrisia do Estado em insistir no controle do livre-arbítrio sobre como gastar o próprio dinheiro. É um assunto palpitante e polarizado, mas realmente não deveria ser.
O jogo ilegal existe enquanto o legal não existir. O jogo ilegal não é a razão pela qual as pessoas jogam, mas sim pela simples realidade da demanda e oferta. Sem leis, os jogos ilegais oferecem ao público os meios para praticar o que desejam, mas, infelizmente, eles criam negócios para o crime. A ilegalidade alimenta a corrupção e, como nos ensina o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, "onde não há Estado há crime organizado".
Ao legalizar todas as formas de jogo —ainda faltam os caça-níqueis—, a demanda do mercado reduzirá o número dos não regulados. Os jogadores migrarão naturalmente para o jogo que apresente mais segurança e mais chances de ganhos. Esse processo aconteceu em todos os mercados que legalizaram o setor depois de longos períodos de proibição.
Os contrários sempre se valem de teses de grupos religiosos para elencar patologia, lavagem de dinheiro e ausência de controle como argumentos para manter o jogo na ilegalidade. Esses temas, explorados através de notas técnicas ultrapassadas, foram todos contemplados pela proposta que cria o marco regulatório aprovado na Câmara.
Os deputados do Grupo de Trabalho dos Jogos na Câmara, criado para atualizar o texto do PL 442/91, promoveram reuniões com Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ministério da Economia e Receita Federal —em nenhum momento os representantes destes órgãos se opuseram à legalização. Pelo contrário, várias propostas contidas no relatório final foram introduzidas a partir de sugestões técnicas, inclusive as recomendações adotadas pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi).
Uma delas prevê que todo brasileiro que desejar apostar deverá informar o número de inscrição no CPF para atender à implantação do "cashless", sistema que impede a utilização de moedas ou cédulas de dinheiro em espécie nos jogos de apostas. Em um ambiente sem dinheiro, com o jogador identificado e toda movimentação financeira registrada, inibe-se a atratividade para a lavagem de dinheiro. Outra recomendação do Gafi é a notificação obrigatória ao Coaf de prêmios superiores a R$ 10 mil.
A identificação também permite a aplicação do programa de Registro Nacional de Proibidos (Renapro), destinado às pessoas que estejam impedidas de jogar devido à ludopatia. A inscrição poderá ser feita de forma voluntária, pelo próprio ludopata, familiar ou Ministério Público. A criação da "Política Nacional de Proteção aos Jogadores e Apostadores", que prevê a implantação de programas e ações de jogo responsável, será financiada através do repasse de 6% dos recursos arrecadados pelo próprio jogo.
Em resumo, o debate sobre a legalização do jogo no Brasil não deve ser somente sobre os investimentos internacionais, as receitas de novos impostos nem os milhares de empregos que criará e formalizará. Esses argumentos são óbvios e já não estão mais em debate. O verdadeiro desafio é a criação e o estabelecimento de leis e regulamentos que permitam aos cidadãos exercerem seu desejo de jogar sob os olhos atentos de regras claramente definidas pelo Estado e sua efetiva aplicação.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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