Descrição de chapéu
Rafael Mafei

A Lei do Impeachment deve ser atualizada? SIM

Disciplinar os poderes da presidência da Câmara merece urgente atenção

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rafael Mafei

Livre-docente em direito, professor da Faculdade de Direito da USP e autor de "Como Remover um Presidente" (ed. Zahar)

Em fevereiro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou uma comissão de juristas, presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, para reformar a Lei do Impeachment (lei 1.079/1950).

Neste mesmo espaço ("A espada de Dâmocles do impeachment", 3/10/21), Lewandowski já havia sugerido horizontes para uma tal reforma: alterar a capacidade de apresentar denúncias; dar redação mais estrita aos crimes de responsabilidade; garantir espaço para defesa em certos momentos do procedimento; e, principalmente, disciplinar os poderes da presidência da Câmara.

O professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, é autor de “Como Remover um Presidente” - Karime Xavier - 16.jun.21/Folhapress

Esse último ponto merece urgente atenção. A redação original da lei deixava poucas dúvidas: uma vez recebida, a denúncia deveria ser "despachada" —verbo tradicionalmente reservado a atos de baixo teor decisório— a uma comissão especial, onde seus méritos seriam debatidos. A lei nunca quis que denúncias contra uma autoridade arbitrária pudessem ser represadas pelo arbítrio de outra.

Com o tempo, passou-se a admitir que o presidente da Câmara mandasse direto ao arquivo as denúncias claramente ineptas para evitar que uma comissão especial tivesse de ser montada a cada denúncia apresentada. Mas, dessa decisão, cabe recurso ao plenário: ao fim, a denúncia do cidadão até poderia ser frustrada, mas não por ausência de resposta.

O poder de ignorar denúncias, criando um estoque infinito de munição a ser usado como arma de chantagem contra a Presidência da República, é uma deturpação dessa prática. Hoje, é desfrutado, sem moderação, por Arthur Lira (PP-AL).

Uma nova lei deve não apenas disciplinar esse poder disfuncional, como também os recursos contra decisões de arquivamento. Sem isso, corre-se o risco de apenas deslocar o arbítrio, que passaria a ser exercido no momento de receber e pautar o recurso.

Mas há objetivos de uma possível reforma do impeachment que tendem a ser frustrados pela dinâmica essencialmente política do instituto. Juízes do impeachment são deputados e senadores, e é ilusório imaginar que uma lei mais detalhada mudará o destino dos acusados. A lei de 1950 foi reformada em 2000 para, entre outras coisas, detalhar crimes fiscais. Nada disso impediu que uma acusação juridicamente bamba prosperasse contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Melhor seria que a nova lei atentasse para a forma de julgamento no Senado, onde acusações complexas são decididas em um único quesito. Impeachments envolvem múltiplos fatos e crimes em potencial, e reagir a tudo isso com um singelo "sim" ou "não" distancia o processo de algo que mereça ser chamado de um "julgamento", como manda a Constituição. Nesse ponto, a confusão só aumentou com o mal explicado "fatiamento" do julgamento de 2016 —aliás, sob a batuta do próprio ministro Lewandowski.

Com tudo isso, não se deve cair no juízo equivocado de Rodrigo Pacheco, que atribuiu a turbulência dos momentos de impeachment ao anacronismo da lei. A turbulência é política, econômica e social: o impeachment é apenas a forma como ela se manifesta, sendo mais civilizado e democrático do que quase qualquer alternativa.

A comissão fará bem se, ao contrário de Pacheco, reconhecer que a prática de dois impeachments recentes e as decisões do STF nos casos de Collor e Dilma deram grande segurança procedimental à matéria. Turbulência evitável haverá, no próximo impeachment, se tudo isso for colocado a perder pela comissão. Reformar não é demolir.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.