Recentemente, um conhecido apresentador de TV fez um dramático apelo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de vídeo que viralizou nas redes sociais, conclamando a todos a dizer "não" ao rol taxativo.
Impossível não se solidarizar com o apresentador, que é pai de um jovem autista que, provavelmente, necessita de serviços de saúde não inclusos no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) —órgão que define a cobertura obrigatória que as operadoras de planos privados de saúde têm que ofertar a seus beneficiários.
O STJ julgará se o rol é taxativo ou exemplificativo. Se for taxativo, todo e qualquer procedimento que não esteja listado no rol não será coberto pelas operadoras. Se for exemplificativo, bem, alguém terá que definir se o tratamento solicitado deverá ser coberto pela operadora —e o céu poderá ser o limite.
No Brasil, a saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Muitos entendem que o sistema de saúde deve oferecer tudo para todos, mas não é isso o que a Constituição Federal diz. Nenhum sistema de saúde no mundo, seja ele público ou privado, consegue ofertar tudo para todos. A Constituição diz que o acesso à saúde é universal e deve ser garantido por políticas públicas sociais e econômicas, buscando eliminar as desigualdades injustas. Embora poucos saibam, o SUS (Sistema Único de Saúde) também tem o seu rol de procedimentos: é a Renases (Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde), prevista pelo decreto 7.508, de 2011.
Toda pessoa que mora no Brasil e paga um plano privado de saúde também usa o SUS, principalmente em casos de urgência ou quando necessita de procedimentos de alto custo não cobertos pelas operadoras. Essas operadoras ficam com o filé mignon, e o SUS paga a conta daquilo que é mais caro. É o capitalismo sem risco, com lucro garantido.
Parte dos gastos de pessoa físicas e jurídicas com planos de saúde é abatida de seus impostos. Hospitais de luxo, que atendem apenas os planos de saúde mais caros, quando são entidades filantrópicas deixam de recolher impostos, como os encargos sobre a folha de pagamentos e outros. Impostos que financiam os serviços públicos como o SUS deixam de ser recolhidos em benefício do sistema privado de saúde e das pessoas de melhor poder aquisitivo. No Brasil, temos um sistema de saúde privado que, como um parasita, vive às custas do SUS e da renúncia fiscal.
Mas as operadoras de planos privados acham pouco. A FenaSaúde, entidade que congrega as maiores empresas do setor, luta no Congresso para mudar a lei e permitir a criação dos planos segmentados, uma nova versão dos planos populares. Querem oferecer menos serviços ao mesmo tempo que abocanham um pedaço maior do mercado. O cidadão vai comprar um plano mais barato, mas, quando ficar doente para valer, vão encaminhá-lo para o SUS. É muita cara de pau!
Mudanças importantes são necessárias nas políticas de saúde do Brasil e, em particular, na relação entre os sistemas público e privado. A cobertura do SUS e do sistema privado deve ser exatamente a mesma. O cidadão que tiver um plano privado deve ser atendido na rede de serviços do seu plano de saúde e, quando for atendido no SUS, a operadora deve ressarcir o Estado a despesa pelo atendimento prestado ao benificiário do plano privado. A mamata da renúncia fiscal deve acabar.
O rol da ANS, tanto ele como o Renases, devem ser taxativos, não há como ser diferente. Precisamos adotar um modelo similar ao do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, no qual a cobertura de serviços de saúde é definida pelo órgão técnico responsável pela incorporação de tecnologia de saúde, garantindo a melhor composição de serviços para atender toda a sociedade equitativamente. No Brasil, este papel deve ser desempenhado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias). O custo do acesso de todos à saúde, sem desigualdades, deverá ser dividido entre todos de maneira solidária: quem pode mais pagará mais, quem pode menos pagará menos e quem não pode não pagará nada.
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