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José Manuel Diogo

Coimbra não salvou Tiradentes, mas 'fez' o Brasil independente

Apenas Joaquim José da Silva Xavier, não letrado, pagou traição com a vida

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José Manuel Diogo

Empresário e especialista em Intelligence, é fundador da Associação Portugal-Brasil 200 anos

Embasado na memória do alferes de infantaria Joaquim José da Silva Xavier —nascido no dia 12 de novembro de 1746 no estado de Minas Gerais, na cidade de Pombal (hoje chamada de Tiradentes em sua honra)—, o dia 21 de abril é uma das datas mais intensas e simbólicas na "liturgia" da identidade do Brasil.

Devendo a alcunha "Tiradentes" à prática médica e farmacêutica, que à época autorizava os militares a fazer operações dentárias, Joaquim José, sentindo a oportunidade, agarrou-se —literalmente com unhas e dentes— aos ideais libertários do século 18 que então corriam o mundo e chegavam à colônia portuguesa da América do Sul.

Retrato de Tiradentes. Na imagem, um homem branco de barba e cabelos longos, pretos, olha fixamente para o lado. Há uma corda em volta de seu pescoço.
Retrato feito por Oscar Pereira da Silva, em 1922, colabora para a construção da ideia de mártir ao aproximar a fisionomia de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, à aparência de Jesus Cristo - Acervo do Museu Paulista da USP

Será sobre a sua saga-suplício que a memória vencedora dos separatistas vai desenhar na memória coletiva brasileira um protótipo de herói-vítima, uma espécie de Macunaíma antes do tempo, do qual o Brasil nunca mais conseguiu escapar.

É preciso lembrar que há 200 anos os tempos não se apresentavam de feição a monarcas absolutistas
—semelhantes a Dom João 6º, que na altura reinava em Portugal— e que em toda a parte o povo reclamava liberdades, velhos traseiros perdiam seus seculares assentos e várias cabeças rolavam na Europa.

O Brasil não seria uma exceção. A Revolta de Vila Rica, a Conjuração Baiana e a própria Inconfidência Mineira, entre muitos outros eventos, desestabilizavam o reino que, em resposta, escolhia a violência e a repressão como receita imediata para contrariar essa "doença" que os portugueses ainda não tinham percebido ser incurável: a Independência.

Pintura retrata o alferes Tiradentes pouco antes de ser enforcado como punição pela participação na Conjuração Mineira de 1789 - Reprodução/Enciclopédia Ilustrada do Brasil

As circunstâncias, e o fato de Tiradentes ser homem de poucas posses e não ter frequentado Coimbra —a única universidade que, à época, o universo do saber oferecia aos falantes de português—, haviam de custar caro ao nosso herói.

Tivesse-lhe isso acontecido —ser calouro e doutor na Lusa Atenas—, a sua sorte seria outra, mais suave, talvez semelhante à de seus inconfidentes colegas, a quem, embora também fossem espoliadas fama e terra, puderam conservar a cabeça longe da forca e o seu sangue correndo-lhes nas veias.

Tiradentes foi disso exemplo em carne viva, pois, diferentemente dos restantes "conjurados" —um grupo da elite mineira onde todos eram letrados, proprietários de terras, militares de alta patente, mineradores, advogados, intelectuais e até padres—, ele era apenas um alferes expiatório.

Aos outros (cerca de 30), entre os quais se destacavam os poetas Tomás Antônio Gonzaga, luso-brasileiro, e o mineiro Cláudio Manuel da Costa, a frequência universitária ajudou a preservar-lhes a vida, mesmo quando (como acontecia com Xavier) também eles lutassem pela autonomia das capitanias, pela independência da sua região e pela implantação da República.

Foi quando finalmente foram denunciados, e o movimento inconfidente desfeito, que se pode sentir a diferença: apenas Joaquim José da Silva Xavier pagou sua traição com a própria vida. Como se a mesma Coimbra que salvou a vida a tais poetas tivesse sentenciado à morte tal alferes.

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