Descrição de chapéu
Fernando Augusto Fernandes

Estabilidade e respeito às instituições

Gangorra judicial e decreto de Bolsonaro não servem à democracia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Fernando Augusto Fernandes

Advogado criminalista e pesquisador, foi o responsável pela descoberta dos áudios secretos do STM (Supremo Tribunal Militar) que revelam torturas durante a ditadura militar entre 1975 a 1985

O Brasil está em meio a uma constante crise política e institucional. Esta última se agravou com o decreto de indulto, editado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para salvar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Esse fato se junta às reações do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e do presidente do STM (Supremo Tribunal Militar), Luis Carlos Gomes Mattos, ambos generais, diante das revelações de áudios secretos comprovando tortura durante a ditadura militar.

Para balançar de vez o nosso Estado democrático, o também general Paulo Sergio Nogueira Oliveira atacou, por meio de nota oficial do Exército, a palestra do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que afirmou que as Forças Armadas estavam orientadas a atacar o processo eleitoral.

É preciso entender como chegamos a essas distorções para compreender para qual caminho devemos seguir. Acima de tudo porque temos o dever de manter a democracia no Brasil.

Área de memorial em São Paulo sobre a ditadura militar - Bruno Santos - 15 jun.2020/Folhapress

O deputado foi condenado porque fez um vídeo xingando o ministro do STF Alexandre de Moraes de moleque, mau-caráter e marginal, entre outras grosserias e ameaças. Evidente que não é o que ninguém que preza o Congresso, a democracia e a convivência social espera de um congressista.

A forma chula e ordinária com que se manifestou não traz nenhuma crítica, mas uma verdadeira afronta à estabilidade das instituições. A imunidade parlamentar prevista no art. 53 da Constituição diz que os deputados são "invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Isso torna o deputado ou um senador imune a qualquer tipo de manifestação?

Como chegamos a isso? O Supremo realizou pernicioso papel de acreditar em uma missão que não é dada à magistratura: a de ser o elemento purificador da política. Com isso, deu força a uma parte do Judiciário e do Ministério Público, com a qual foi possível articular a Lava Jato.

Um dos afrontes foi a prisão do senador Delcídio de Amaral (PT-MS) porque fez bravatas ao afirmar que teria falado com ministros para preservar Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, na Lava Jato. Na mesma toada, o Senado, por 59 votos a 13 e uma abstenção, aprovou a prisão. Nessas ocasiões, o Poder Legislativo deveria ter derrubado as prisões e realizado as medidas internas até chegar à cassação. Mas esse recuo tornou o Supremo um superpoder nacional.

As ações abusivas transformam decisões judiciais em finais de campeonato. O maior exemplo é o caso Lula. Quem não gosta de Lula torceu por sua prisão. E o ex-juiz Sergio Moro acreditava que, suprindo esses desejos, se tornaria ministro, primeiramente de Estado e, na sequência, do STF (e, quem sabe, presidente). Pouco importava o direito. E a Suprema Corte realizou mudanças constantes de sua jurisprudência, revogando a presunção de inocência, cabendo prisão em segunda instância, negando o habeas corpus de Lula para depois da eleição voltar à posição anterior. Idas e vindas que não servem à estabilidade do direito.

A gangorra judicial não serve à democracia, assim como o decreto de Bolsonaro não serve à estabilidade democrática. Seu objetivo foi afrontar o Supremo, apoiar os atos de ataque e desqualificação. A ascensão e manutenção do bolsonarismo catapultou ao poder a linha integralista que cria instabilidade e mesmo mortes na pandemia de Covid-19, com toda a campanha contra as vacinas.

Além disso, a Presidência resgatou a lógica da Guerra Fria, do anticomunismo desqualificador e de constante ameaça de perseguição —flertando com um macarthismo na lógica do inimigo, não como política como composição.

Por todas essas razões, o decreto presidencial é inconsistente porque não visa simplesmente o exercício do poder presidencial, mas serve para criar mais um conflito de Poderes.

Pouco importa se o deputado Silveira está inelegível. O Congresso deve cumprir sua missão de afastá-lo. Já o Supremo deverá avaliar a legalidade e o desvio que fere os princípios constitucionais administrativos. O presidente precisa baixar o tom e começar a respeitar a nossa recente democracia. As Forças Armadas devem se recolher e retornar ao papel constitucional.

As instituições precisam prezar pela harmonia, e que nosso país eleja o próximo presidente para servir o povo e criar um novo ambiente de estabilidade democrática. Para isso necessitamos de cuidado, atenção e sabedoria histórica.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.