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Ives Gandra da Silva Martins

Lygia e Dalmo

Perde o Brasil dois expoentes, mas cujas obras continuam a influir gerações

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Ives Gandra da Silva Martins

Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra

No fim da vida, o papa Pio 9, em seu longo pontificado, comentava que o número de vagas entre seus amigos crescia incontrolavelmente. Aos 87 anos, lembrando o cardeal Deskur, que auxiliou o papa João Paulo 2º e dizia, também no fim de sua jornada, que estava como o Coliseu romano, "em ruínas, mas ainda recebendo visitas", digo que, fisicamente, sinto-me como aquele príncipe da igreja e como o admirável Pio 9, pois vejo com tristeza, entre amigos, o desaparecimento de muitos deles.

Em apenas uma semana perdi dois companheiros dos tempos de estudante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na década de 1950.

A escritora Lygia Fagundes Telles e o jurista Dalmo Dallari, mortos em abril - Folhapress

Conheci Lygia Fagundes Telles quando participou da banca que escolheria os novos acadêmicos da Academia de Letras da Faculdade do Largo de São Francisco. Fui um dos eleitos e, nesta condição, quando da renovação da diretoria com Dalmo Dallari na presidência, fui conduzido à secretaria-geral.

A amizade com os dois veio daquela época. Lygia já não era aluna, mas casada com o nosso professor, de ​Dalmo e meu, Goffredo da Silva Telles. Com Hilda Hilst, frequentava os meios acadêmicos com regularidade. Dalmo, como eu, casou-se cedo, sob as bênçãos de dom Henrique Golland Trindade. Ele com Marta, e eu, com Ruth, fomos premiados com seis filhos.

O falecimento precoce de Marta entristeceu a todos os seus amigos e companheiros de movimentos católicos que à época pertencíamos.

Na redemocratização —tinha sido conselheiro da Seccional Paulista da OAB e presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo neste período—, divergimos com a volta da vida partidária, após 1985, sem nunca deixarmos de nos respeitar em debates políticos e acadêmicos pelo nosso estilo de opor ideias sem a necessidade de atacar pessoas.

Com Lygia, a amizade também vem da faculdade e foi crescendo, tendo tido seu apoio para ingressar na Academia Paulista de Letras (APL), sendo agora o decano da instituição após a morte dela. Foi ela quem me apresentou a Hilda Hilst. Fui, em alguns assuntos, consultor jurídico das duas. Quando de minha presidência da APL, em 2005, Lygia ganhou o Prêmio Camões, muito comemorado por todos os seus confrades e confreiras.

O jurista Dalmo Dallari discursa na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo - Danilo Verpa - 16.dez.15/Folhapress


Lygia Fagundes Telles e Dalmo Dallari são brasileiros de uma época —não sou saudosista no dizer— em que a cultura era menos ideologizada e na qual as discussões acadêmicas e de ciência política tinham um sabor especial, mescladas com conhecimento filosófico interpenetrando as exposições conflitantes.

Diria mesmo que era uma época de humanistas. Todos os profissionais no campo do direito tinham cultura abrangente, até mesmo porque eram poucas as faculdades de direito no país. E a literatura, no Largo do São Francisco, foi sempre tema informal e constante do meio acadêmico —grandes nomes da literatura sentaram, como dizia Fagundes Varela, "nos bancos da academia".

Perde o Brasil dois expoentes de sua história, mas cujas obras continuam a influir gerações de literatos e juristas no país.

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