Descrição de chapéu
Ram Mahidhara

O desmonte da globalização

Grandes empresas voltarão a buscar fornecedores regionais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ram Mahidhara

Ex-executivo sênior da International Finance Corporation (IFC/Banco Mundial) e cofundador e COO (diretor de operações) da arara.io

A crise de abastecimento de produtos provocada pela pandemia e agora a ameaça de corte do gás europeu e insumos vindos da Ucrânia estão colocando em marcha um rearranjo global das cadeias de suprimento.

Trata-se de um processo de reversão da chamada globalização, que na última década tornou a China a base de fabricação do mundo, com empresas terceirizando uma grande parte de seus insumos para lá e, em menor escala, para outras partes da Ásia.

A competitividade de custos e os ganhos de eficiência oferecidos pela mudança para a China significaram que muitos itens, anteriormente fabricados nos EUA, na Europa e na América Latina, ou mesmo em países como a Índia, se transferiram para o gigante asiático. Os produtos farmacêuticos e eletrônicos são os melhores exemplos disso.

A Covid-19 expôs o risco dessa concentração e dependência excessivas. Com o fechamento da China, seguido por desacelerações na expedição, transporte e logística, empresas em todo o mundo foram atingidas. O desabastecimento de insumos básicos para enfrentar a pandemia deixou evidente a necessidade de deslocamento geográfico da produção mundial.

A guerra vai catalisar esse quadro. O conflito na Ucrânia traz, agora, a questão do deslocamento estratégico, com ênfase maior no inventário e aumento do estoque de bens essenciais no curto e médio prazo. As empresas vão aproximar geográfica e estrategicamente suas cadeias de abastecimento, seja no mesmo país, ou, pelo menos, dentro do mesmo continente.

É seguro colocar todos os nossos ovos em uma única cesta, mesmo que este país seja o fornecedor mais barato? Ou é estrategicamente melhor termos alternativas? Todas essas são questões com as quais as empresas estão se defrontando neste ​momento. Aquelas que diversificaram seus suprimentos provavelmente estão se saindo melhor no cenário atual. Isso destaca a importância de monitorar a própria cadeia de abastecimento para todos os tipos de riscos, particularmente os riscos de ESG ("Environmental, Social and corporate Governance").

O Brasil tem uma oportunidade neste cenário. Enquanto as empresas norte-americanas e europeias procuram diversificar suas cadeias de abastecimento, o país, com alguma notável experiência em indústrias selecionadas (serviços de petróleo e gás, fabricação de automóveis, tecnologia aeronáutica etc.), pode se posicionar como escolha mais estável e segura para as multinacionais. Sem contar que o Brasil é a 12ª maior economia do mundo e tem sua própria demanda interna.

As empresas brasileiras também devem olhar para suas cadeias de abastecimento e buscar alternativas mais próximas de casa. É claro que, devido aos tremendos avanços que a China obteve na indústria, levará tempo e recursos para competir com a velocidade, a eficiência e os preços dos fabricantes de lá —mas isso pode ser feito. A indústria brasileira precisa identificar essas oportunidades competitivas. Mesmo que seja um pouco mais caro produzir no Brasil, trata-se de uma alternativa sólida por motivos estratégicos: o país oferece mais estabilidade e capacidade produtiva em comparação a muitas outras nações nesta nova e frágil ordem global.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.