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Mozart Neves Ramos

Os desafios da educação pós-pandemia

Escola deve transformar base conteudista em aprendizados essenciais

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Mozart Neves Ramos

Membro do Conselho da Mind Lab e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira de Estudos Avançados da USP (Ribeirão Preto); ex-secretário da Educação de Pernambuco

Desde o fechamento das escolas em razão da pandemia de Covid-19, há dois anos, e à medida que o número de casos da doença crescia país afora, toda a comunidade escolar passou por inúmeros percalços. Reflexos disso são sentidos até hoje, mesmo com a vacinação avançada, inclusive entre crianças, e as aulas presenciais retomadas em todas as regiões do Brasil.

Consenso entre especialistas, a demora em reabrir as escolas comprometeu ainda mais a qualidade do ensino. O relatório "Resposta Educacional à Pandemia de Covid-19 no Brasil", conduzido pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), mostrou que as escolas brasileiras passaram cerca de 279 dias fechadas no primeiro ano de pandemia.

Esse cenário provocou um grande retrocesso educacional aferido pelos níveis de proficiência escolar nas redes públicas e privadas. Os resultados recentes do Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) revelaram que um estudante da rede estadual paulista terminou o ensino médio em 2021 com uma defasagem de quase seis anos em matemática e, em língua portuguesa, quatro.

O que mais preocupa é que estamos falando da primeira rede escolar a oferecer atividades de ensino remoto e uma das primeiras a retomar as aulas presenciais. Ainda assim podemos ver grandes perdas em todas as etapas escolares.

As primeiras avaliações também mostram que o impacto foi mais acentuado nas crianças em fase de alfabetização ou concluindo o último ano do ensino fundamental. Ainda de acordo com os dados do Saresp, as crianças concluintes desta etapa tiveram um retrocesso em matemática equivalente aos resultados de 2013. Para se ter uma ideia mais tangível, 61,6% dos estudantes do quinto ano não sabem resolver uma simples questão de subtração como esta: "uma construtora encomendou 10 mil parafusos a uma loja, que possuía apenas 3.825 em estoque. Quantos itens são necessários para completar a encomenda?". Em língua portuguesa, a situação é igualmente grave. Um aluno do quinto ano em 2021 apresenta uma proficiência de um estudante do terceiro. Se isto ocorre em São Paulo, é ainda mais preocupante quando nos deparamos com o restante do país.

Ainda em 2020, segundo o Censo Escolar, 2.449 municípios não tiveram nenhuma aula ao vivo. E apenas 417 cidades tiveram estrutura suficiente para oferecer aulas online de maneira satisfatória. O censo mostrou também que a internet está disponível em 89,4% das escolas da rede federal, 74,1% nas da rede estadual e em apenas 39,8% nas municipais. Para além desses problemas estruturais, ficou nítida também a defasagem de habilidades socioemocionais de alunos e professores, já que o convívio entre pares sempre foi importante para cultivarmos respeito e empatia.

Por outro lado, entendo que o cenário pós-pandemia pode ser também uma janela de oportunidade para mudar nossa maneira de ensinar e aprender. É hora de inovar com base em dados e evidências. É necessário que a escola passe por uma metamorfose, que transforme sua base conteudista em aprendizados essenciais para a vida atual e futura dos estudantes, que os prepare de maneira autônoma para fazer escolhas em seus projetos de vida. Para isso, temos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como uma bússola efetiva, que vai nos orientar quanto às demandas reais dos alunos.

Se ficarmos presos ao retrovisor, o desastre será inevitável. Mas, se tivermos a coragem de olhar para onde aponta o farol e fazer as mudanças necessárias, talvez a educação brasileira tenha chances. Para isso, devemos buscar o que este país tem de melhor, pois sou daqueles que entendem que o Brasil pode aprender com o Brasil. Precisamos de líderes educacionais, capazes de romper com o atual status quo —e isso, infelizmente, está nos faltando.

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