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Gustavo Campana

Sequenciamento completo do genoma humano é revolução em curso

Conclusão trará ganho para diagnóstico médico e possível cura de doenças genéticas

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Gustavo Campana

O anúncio recente de que o genoma humano foi finalmente sequenciado de forma completa brilha os olhos de cientistas e médicos em todo o mundo. O genoma humano foi 92% sequenciado há quase 20 anos, em 2003 —cinco décadas após a descoberta do DNA (1953)—, permitindo uma revolução científica na área da genética que levou o planeta a caminhar em direção a uma medicina cada vez mais preventiva, preditiva e personalizada.

A descoberta destes 8%, que até então eram considerados uma zona cinzenta do DNA, tornará possível a aceleração ainda maior do conhecimento de causas de doenças genéticas que ainda não são possíveis com as tecnologias atuais. Será um grande ganho para diagnóstico médico.

Estrutura de dupla hélice do DNA humano, que foi completamente sequenciado pela primeira vez - AFP

No entanto, a medicina do futuro já se faz presente. Atualmente, por meio de testes genéticos e genômicos, é possível direcionar os pacientes para tratamentos mais eficazes, diagnosticar doenças raras de forma mais precoce, identificar alterações genéticas durante a gestação e detectar a predisposição genética para o desenvolvimento de doenças importantes —como síndromes de predisposição ao câncer, cardiopatias hereditárias, entre outras.

O advento da tecnologia do Sequenciamento de Nova Geração —NGS, que identifica alterações nos genes analisados— teve um impacto drástico no custo-efetividade dos testes genéticos, permitindo um maior acesso à população e o encurtamento da odisseia diagnóstica do paciente com doença rara. Além de identificar cânceres hereditários e tornar possível o acompanhamento e o cuidado de toda a família do paciente.

A terapia gênica tem evoluído de forma drástica e já dá sinais de resultados clínicos importantes e até de cura de doenças que há até pouco tempo eram incuráveis. O tratamento, que é baseado na edição gênica com uso de técnicas de DNA recombinante, tem sido amplamente explorado no ambiente científico. Atualmente, já existem algumas terapias gênicas aprovadas, como para a AME (Atrofia Muscular Espinhal), enfermidade que até três anos não tinha tratamento. O Crispr, a técnica mais moderna de edição de genes que vem sendo amplamente divulgada nos últimos anos, também possui grande potencial para revolucionar o diagnóstico e o tratamento de inúmeras enfermidades.

A maior parte das doenças genéticas ainda não apresentam tratamentos específicos; contudo, o avanço do conhecimento científico tem possibilitado o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para estas moléstias. Espera-se que nos próximos anos novas doenças possam ser incluídas neste processo.

E, devido ao grande potencial dessa área da medicina no avanço do tratamento e da cura de doenças importantes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que cada país tenha um geneticista para cada 100 mil habitantes. No entanto, de acordo com o estudo Demografia Médica de 2020, atualmente o Brasil possui apenas 332 profissionais, o que corresponde a 1 para cada 1,25 milhão de pessoas. Seriam necessários mais 1.800 geneticistas para chegarmos ao cenário ideal.

A medicina genômica tem avançado de formas diferentes pelo mundo. Os Estados Unidos, com cerca de 4.700 aconselhadores genéticos e 1.240 médicos geneticistas, é um dos países onde essa medicina está mais avançada; na França e na Espanha, o sistema público de saúde disponibiliza para as gestantes o teste pré-natal não invasivo (Nipt), que permite identificar precocemente alterações cromossômicas associadas, por exemplo, à síndrome de Down; já a Islândia realizou o mapeamento do DNA de toda a sua população, o que permitiu identificar, por exemplo, as mulheres com predisposição para o desenvolvimento de câncer de mama e acompanhá-las de forma mais frequente e eficiente.

O desenvolvimento tecnológico e a redução de custos na área contribuíram positivamente para diversas especialidades da medicina, e os investimentos nesta área também não param de crescer. Em 2022, o mercado global de genética movimenta em torno de R$ 20,5 bilhões, e a expectativa é que esse valor totalize R$ 52 bilhões até 2027. A América do Norte concentra 46% dessa fatia de mercado, a Europa, 29,4%, e a Ásia, 17,9%. Já a menor fatia, correspondente a 6,7%, é dividida entre as demais regiões do mundo. A América Latina ainda tem muito a crescer, mas a região tem avançado bastante na genética, no sequenciamento de DNA e no desenvolvimento de vários tipos de exames genômicos. Já possuímos a tecnologia e o conhecimento instalados por aqui.

Aos poucos, os sistemas de saúde público e privado vêm percebendo os efeitos do custo-benefício desta medicina mais preventiva e personalizada, que proporciona um tempo mais curto de investigação, além de evitar hospitalizações e tratamentos desnecessários, resultando em uma redução de custos para o setor e melhores resultados clínicos aos pacientes.

O Brasil possui excelentes geneticistas e produz importantes contribuições científicas para a genômica global; no entanto, ainda é necessário um maior número de profissionais e mais investimentos para que o país chegue ao cenário ideal. É necessário que as universidades ampliem o ensino de genética na grade curricular dos cursos de medicina para cobrir o déficit de 1.800 de profissionais no Brasil e que instituições públicas e privadas ampliem investimentos na área, além de o Sistema Único de Saúde (SUS) incluir testes genéticos em seu rol. Isso permitirá que, assim como preconiza a OMS, a medicina genética seja acessível para todos.

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