O anúncio recente de que o genoma humano foi finalmente sequenciado de forma completa brilha os olhos de cientistas e médicos em todo o mundo. O genoma humano foi 92% sequenciado há quase 20 anos, em 2003 —cinco décadas após a descoberta do DNA (1953)—, permitindo uma revolução científica na área da genética que levou o planeta a caminhar em direção a uma medicina cada vez mais preventiva, preditiva e personalizada.
A descoberta destes 8%, que até então eram considerados uma zona cinzenta do DNA, tornará possível a aceleração ainda maior do conhecimento de causas de doenças genéticas que ainda não são possíveis com as tecnologias atuais. Será um grande ganho para diagnóstico médico.
No entanto, a medicina do futuro já se faz presente. Atualmente, por meio de testes genéticos e genômicos, é possível direcionar os pacientes para tratamentos mais eficazes, diagnosticar doenças raras de forma mais precoce, identificar alterações genéticas durante a gestação e detectar a predisposição genética para o desenvolvimento de doenças importantes —como síndromes de predisposição ao câncer, cardiopatias hereditárias, entre outras.
O advento da tecnologia do Sequenciamento de Nova Geração —NGS, que identifica alterações nos genes analisados— teve um impacto drástico no custo-efetividade dos testes genéticos, permitindo um maior acesso à população e o encurtamento da odisseia diagnóstica do paciente com doença rara. Além de identificar cânceres hereditários e tornar possível o acompanhamento e o cuidado de toda a família do paciente.
A terapia gênica tem evoluído de forma drástica e já dá sinais de resultados clínicos importantes e até de cura de doenças que há até pouco tempo eram incuráveis. O tratamento, que é baseado na edição gênica com uso de técnicas de DNA recombinante, tem sido amplamente explorado no ambiente científico. Atualmente, já existem algumas terapias gênicas aprovadas, como para a AME (Atrofia Muscular Espinhal), enfermidade que até três anos não tinha tratamento. O Crispr, a técnica mais moderna de edição de genes que vem sendo amplamente divulgada nos últimos anos, também possui grande potencial para revolucionar o diagnóstico e o tratamento de inúmeras enfermidades.
A maior parte das doenças genéticas ainda não apresentam tratamentos específicos; contudo, o avanço do conhecimento científico tem possibilitado o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para estas moléstias. Espera-se que nos próximos anos novas doenças possam ser incluídas neste processo.
E, devido ao grande potencial dessa área da medicina no avanço do tratamento e da cura de doenças importantes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que cada país tenha um geneticista para cada 100 mil habitantes. No entanto, de acordo com o estudo Demografia Médica de 2020, atualmente o Brasil possui apenas 332 profissionais, o que corresponde a 1 para cada 1,25 milhão de pessoas. Seriam necessários mais 1.800 geneticistas para chegarmos ao cenário ideal.
A medicina genômica tem avançado de formas diferentes pelo mundo. Os Estados Unidos, com cerca de 4.700 aconselhadores genéticos e 1.240 médicos geneticistas, é um dos países onde essa medicina está mais avançada; na França e na Espanha, o sistema público de saúde disponibiliza para as gestantes o teste pré-natal não invasivo (Nipt), que permite identificar precocemente alterações cromossômicas associadas, por exemplo, à síndrome de Down; já a Islândia realizou o mapeamento do DNA de toda a sua população, o que permitiu identificar, por exemplo, as mulheres com predisposição para o desenvolvimento de câncer de mama e acompanhá-las de forma mais frequente e eficiente.
O desenvolvimento tecnológico e a redução de custos na área contribuíram positivamente para diversas especialidades da medicina, e os investimentos nesta área também não param de crescer. Em 2022, o mercado global de genética movimenta em torno de R$ 20,5 bilhões, e a expectativa é que esse valor totalize R$ 52 bilhões até 2027. A América do Norte concentra 46% dessa fatia de mercado, a Europa, 29,4%, e a Ásia, 17,9%. Já a menor fatia, correspondente a 6,7%, é dividida entre as demais regiões do mundo. A América Latina ainda tem muito a crescer, mas a região tem avançado bastante na genética, no sequenciamento de DNA e no desenvolvimento de vários tipos de exames genômicos. Já possuímos a tecnologia e o conhecimento instalados por aqui.
Aos poucos, os sistemas de saúde público e privado vêm percebendo os efeitos do custo-benefício desta medicina mais preventiva e personalizada, que proporciona um tempo mais curto de investigação, além de evitar hospitalizações e tratamentos desnecessários, resultando em uma redução de custos para o setor e melhores resultados clínicos aos pacientes.
O Brasil possui excelentes geneticistas e produz importantes contribuições científicas para a genômica global; no entanto, ainda é necessário um maior número de profissionais e mais investimentos para que o país chegue ao cenário ideal. É necessário que as universidades ampliem o ensino de genética na grade curricular dos cursos de medicina para cobrir o déficit de 1.800 de profissionais no Brasil e que instituições públicas e privadas ampliem investimentos na área, além de o Sistema Único de Saúde (SUS) incluir testes genéticos em seu rol. Isso permitirá que, assim como preconiza a OMS, a medicina genética seja acessível para todos.
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