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Eduardo Suplicy

Um político deve ser julgado pelo povo

Referendo revogatório traria legitimidade a processos de impeachment

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Eduardo Suplicy

Vereador de São Paulo pelo PT, é presidente de honra da Rede Brasileira da Renda Básica; ex-senador (1991-jan.2015), doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA) e professor titular aposentado da Eaesp-FGV

No dia 2 de abril, esta Folha promoveu um debate sobre se a Lei do Impeachment deve ser atualizada. O professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, defendeu o ponto de vista de que a lei precisa de reformas, especialmente para reduzir o excessivo arbítrio em torno dos procedimentos que dão início ao impedimento. Já deputado federal Rui Falcão (PT-SP) e o advogado Mauro de Azevedo Menezes sugerem alterações pontuais, preocupados com a utilização política de um instrumento que deve apurar crimes de responsabilidade estabelecidos pela lei.

De fato, tanto Rodrigo Maia (PSDB-RJ), em seu período como presidente da Câmara dos Deputados, quanto Arthur Lira (PP-AL), atualmente, lançaram mão da prerrogativa de evitar que processos fossem abertos contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), apesar do bom embasamento jurídico e da pertinência de pedidos que chegaram em suas mãos.

O vereador por São Paulo Eduardo Suplicy (PT) - Mathilde Missioneiro - 17.fev.20/Folhapress

Esse aparente dilema merece solução mais simples: quem julga politicamente o líder de uma nação é o povo, e para aperfeiçoar a democracia precisamos de caminhos para prever sua efetiva participação nessas decisões. Em vez de aguardar o fim de um mandato para escolher um novo presidente, aprovando ou rejeitando um governo que busca reeleição ou continuidade, devemos permitir que a população possa tomar a decisão de interromper uma administração que considera não gozar mais da confiança necessária para liderar o país.

Muito mais interessante será instituir o referendo revogatório, em muitos países conhecido como recall. Por meio dele, após um certo período de governo, eleitores podem votar pela continuidade ou interrupção de um mandato com base em um julgamento político sobre a qualidade do governo que elegeu.

É com este propósito que apresentei a Proposta de Emenda à Constituição 73/2005 como senador por São Paulo após a realização da Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, lançada, à época, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nela, seria preciso que a população convocasse por iniciativa popular o referendo revogatório com, ao menos, 2% de assinaturas de eleitores do país —algo difícil de se obter, como têm demonstrado as experiências de projetos de iniciativa popular.

É válido que tal dificuldade seja mantida para evitar instabilidades geradas pelo excesso de aplicação do referendo, algo que pode prejudicar o sistema político. O importante é garantir que o próprio povo possa contar com esse instrumento, que também valeria para revogar mandatos de senadores e convocar eleições para a Câmara dos Deputados, estendendo seu controle a todos os políticos em nível nacional.

Bem melhor que aguardar acordos de lideranças do Congresso Nacional para iniciar o impeachment será permitir que a população exerça seu poder de revisão de mandatos com o apoio da Justiça Eleitoral.

Se já tivéssemos o recall, o descontentamento atual que se verifica em diferentes setores da sociedade em relação a Jair Bolsonaro encontraria espaço para manifestar-se através do voto. Há múltiplos benefícios. A abertura do processo de impeachment ganharia em celeridade, uma vez que deputados e senadores seriam levados a agir. O pleito eleitoral deste ano ganharia em qualidade, uma vez que não se tornaria um plebiscito sobre a permanência ou saída de um presidente que concorre com força para ser o pior líder que o Brasil já elegeu.

Não se trata de inovação extemporânea. Diversos países e entes subnacionais contam com esse instrumento. A revisão sobre a confiança em governantes tem que ser ágil. Assim poderemos nos concentrar sobre o que realmente é importante: atingir os objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e qualquer outra forma de discriminação.

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