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Gabriel Rostey

As dark kitchens devem ter regulamentação própria? SIM

Moradores enfrentam barulho, fortes odores e aglomeração de entregadores

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Gabriel Rostey

Consultor em política urbana, é sócio-diretor da Culturb, ex-membro do Conselho Municipal de Política Urbana de São Paulo e ex-secretário Geral da Associação Preserva São Paulo

Assim como outras novidades surgidas a partir de inovações recentes, as dark kitchens, ou "cozinhas fantamas", farão cada vez mais parte da cidade contemporânea. Como o nome em inglês sugere, são uma tendência internacional, consequência direta da popularização de aplicativos de delivery, cujo crescimento exponencial se deu durante a quarentena da pandemia de Covid-19.

Se o Uber mudou os hábitos da sociedade, o mercado de táxis e pontos de embarque e desembarque de aeroportos, os novos restaurantes virtuais são pilares da otimização dessa cadeia produtiva por meio de cozinhas industriais compartilhadas por diferentes restaurantes, com equipes mínimas e foco total na produção, já que a venda é feita virtualmente e entregue por prestadores de serviços parceiros. Esse modelo de negócios traz benefícios como diminuição de custos e prazos e aumento da capacidade produtiva e escalabilidade, entregando preços mais competitivos ao consumidor. Por isso, cresce.

Entretanto pode trazer problemas para a vizinhança: barulho de equipamentos, imóveis próximos impregnados de gordura e fortes odores, manejo do lixo, carga e descarga e aglomerações de entregadores na rua aguardando para retirar os pedidos em locais sem qualquer estrutura de recepção. Há relatos de pessoas que chegam a mudar de casa por conta disso. A qualidade de vida dessa população precisa ser protegida, e qualquer sugestão de que se trata de postura NIMBY (acrônimo em inglês para "not in my backyard", que significa "não no meu quintal" e denota corporativismo) desconsidera que questões como poluição sonora são consideradas pela Organização Mundial da Saúde como de saúde pública.

Na cidade de São Paulo, a omissão do poder público é a maior responsável por esse cenário, uma vez que não há exigências para o exercício desta atividade, justamente pela inexistência de regulação própria. A simples definição de parâmetros claros para níveis de ruído, sistemas de exaustão, horários e áreas de estacionamento e convivência já solucionaria grande parte dos problemas, além de conferir a transparência necessária para os investimentos neste novo tipo de estabelecimento.

O aparecimento de negócios disruptivos será cada vez mais frequente, e a imprevisibilidade de seus efeitos é total, visto que nem sequer imaginamos quais serão as próximas inovações oferecidas —que dirá seus desdobramentos. Por isso, é inviável esperar que qualquer legislação geral possa, a priori, dar conta de acomodar os novos desafios que surgirão. Do mesmo modo que foi desenvolvida uma regulamentação própria para os aplicativos de transporte, é urgente que se elabore uma proposta que envolva moradores, motoboys e representantes de dark kitchens, restaurantes e aplicativos, liderada por conhecedores das boas práticas internacionais, com o posterior e contínuo monitoramento para eventuais ajustes.

É precisamente a possibilidade de regulamentação complementar a posteriori que permite um ambiente regulatório mais livre e fértil, ao garantir que os segmentos afetados serão ouvidos e, se necessário, protegidos. Caso contrário, corremos o risco de uma legislação restritiva de partida, que engessa o ambiente de negócios e, por exemplo, equipara dark kitchens às indústrias, o que as inviabilizaria e seria um equívoco tão grande quanto tratá-las como restaurantes comuns.

Que nos sirvam de lição os males causados às nossas cidades por imposições simplistas como o recuo obrigatório e a proibição do uso misto. Um Uber não é um táxi nem um carro pessoal comum; é algo novo, e devemos estar cada vez mais preparados para lidar com inovações como os condomínios de cozinhas.

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