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Roberto Ricomini Piccelli

As mídias sociais e o anonimato no país

Conteúdo pode ser responsabilidade das empresas

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Roberto Ricomini Piccelli

Advogado, é mestre e doutor em direito do Estado (USP) e autor de “O Regime Constitucional das Mídias Digitais” (ed. Lumen Juris)

Um perfil no Twitter propaga desinformação sobre a guerra na Ucrânia. Um usuário do Instagram envia fotos de uma arma a um jogador do seu time. No YouTube, uma conta publica um vídeo de teor racista. Em um grupo do Telegram, para milhares de outros integrantes, um participante divulga uma mentira sobre uma candidatura na própria eleição. O que pode haver em comum entre todos esses casos? A disseminação de conteúdo criminoso ou simplesmente falso em mídias sociais, tornada possível pela perspectiva de não se responsabilizar o seu autor, jamais identificado.

É discutível, em tese, se a tolerância com a publicação de mensagens anônimas traz mais benefícios ou mais prejuízos para a sociedade. Em algumas culturas políticas, como a norte-americana, há uma deferência histórica ao discurso anônimo, encarado como uma proteção do indivíduo contra represálias. Seria, portanto, o ápice da liberdade de expressão.

De outro lado, especialmente no âmbito da comunicação massificada, a ocultação da autoria de uma determinada mensagem torna difícil responsabilizar eventuais abusadores. Uma vez postas em circulação, ideias discriminatórias, injuriosas ou enganosas passam a moldar a opinião pública. Na era das mídias sociais, em que qualquer usuário tem, em tese, o poder de viralizar, esse problema acarreta consequências especialmente graves.

No Brasil, ao contrário do que acontece em outros países, na própria disposição constitucional que enuncia a livre manifestação do pensamento já consta a restrição expressa ao anonimato. Conta-se que essa particularidade do direito brasileiro teria sido introduzida em nossa primeira Constituição republicana por razões pessoais de Rui Barbosa, um implacável crítico das publicações anônimas. Mais de 130 anos e 5 Constituições depois, a vedação ao anonimato permanece direito vigente no Brasil.

O regime brasileiro é equilibrado: qualquer um pode publicar o que bem entenda —as eventuais responsabilidades são apuradas depois. Fica repelido o autoritário sistema da censura prévia, mas é estabelecido também um seguro implícito contra o abuso.

As plataformas de mídia social não foram programadas originalmente nesse regime. É compreensível, portanto, que, no início, não contassem com mecanismos de verificação de identidade. O saldo dessa tolerância não é positivo, como a naturalização dos exemplos mencionados no primeiro parágrafo ilustra. A solução pode estar na simples observância da fórmula centenária do direito brasileiro.

Hoje, com um modelo de negócios consolidado, que extrai receita indiretamente do conteúdo gerado de maneira difusa, já é tempo de avançarem nessa direção. Se não forem capazes de estabelecer mecanismos efetivos para condicionar a prerrogativa de publicar à comprovação da identidade do usuário, podem até mesmo ser consideradas responsáveis elas mesmas pelas mensagens abusivas. São essas empresas, afinal, que dão visibilidade às publicações e se beneficiam da consequente audiência para introduzir os seus anúncios.

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