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Azor Lopes da Silva Júnior

Câmeras corporais são eficazes no trabalho policial? NÃO

Não tardará até que agentes encontrem meios de burlar o equipamento

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Azor Lopes da Silva Júnior

Coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, é doutor em sociologia, mestre em direito e conselheiro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP)

As "body cams", ou "body-worn cameras", seriam eficazes no trabalho policial? No atual cenário, a questão se transforma em munição para a batalha eleitoral.

Disputando o governo de São Paulo, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) levianamente vem afirmando que "São Paulo fez um pacto com o crime organizado, de não combatê-lo". Assim, ataca o projeto das câmeras corporais —talvez supondo agradar um grupo que entenda ser a sua base eleitoral— com o argumento de que elas inibem os policiais (mas inibiriam de quê?). No polo oposto, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) aponta o projeto como um dos poucos avanços do atual governo estadual. Já o ex-governador Márcio França (PSB) o considera invasivo e que seria caríssimo contratar 15 mil câmeras num custo especulado de R$ 600 milhões. Por sua vez, o governador Rodrigo Garcia (PSDB) se convenceu de que os equipamentos são "um avanço para a polícia de São Paulo, protegendo o cidadão, protegendo o policial".

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Policiais militares mostram câmeras instaladas nos uniformes, em São Paulo; sistema transmite imagens em tempo real ao Copom (Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo) - Rubens Cavallari - 20.abr.21/Folhapress

Dentre aqueles apontados como "especialistas em segurança pública", é voz unânime que o modelo reduz a letalidade policial, provado em análises quantitativa e comparativa do antes e do depois. A premissa, então, seria aquela atribuída ao poeta romano Juvenal: "Quis custodiet ipsos custodes?" ("Quem há de vigiar os próprios vigilantes?").

Não... As câmeras não inibem policiais tendentes a abusos, que assim agem por força de desvios psicossociais não detectados no processo seletivo ou por falhas nos mecanismos de controle. Não tardará até que agentes encontrem meios de burlar a tecnologia. Se impedir violência e desmandos for seu principal escopo, o projeto terá ido mal porque não atinge todo o efetivo policial do Estado, já que não incorpora os policiais civis que atuam naquilo que chamam de "polícia preventiva especializada" —tampouco aqueles outros do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope) e do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra).

Na obrigatória equação do bom gestor público —"custo público/bem comum"—, melhor seria investir os mesmos recursos orçamentários na ampliação de câmeras de vigilância ambiental, sobre áreas de elevada incidência criminal, onde recorrentemente acontecem confrontos policiais com criminosos. Daí o duplo efeito: prevenção ao crime e, também, a abusos policiais.

Mas ainda há um outro elemento importante, pouco explorado nos debates sobre o tema: as "body cams" produzem uma rica prova —juridicamente válida nos processos criminais—, apta a dar credibilidade na condenação de criminosos e de policiais desviantes, assim como na absolvição de inocentes, sejam policiais ou cidadãos injustamente indiciados pela polícia, o que tanto mitiga a impunidade quanto impede o erro judiciário (irreparável no seu todo).

Assim, na definição das políticas de segurança pública é preciso primeiro estabelecer o objetivo central do projeto e, a partir disso, ponderar acerca de outras alternativas mais eficazes. Se o objetivo é evitar desvios de comportamento, parece-me que câmeras ambientais em espaços públicos darão mais eficiência, eficácia e efetividade. Se a opção pelas câmeras corporais já é algo definitivo, que seu melhor produto passe a ser aproveitado em sua plenitude pelos tribunais.

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