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Margarida Genevois, José Carlos Dias e José Gregori

O Brasil precisa de paz

Escalada de ataques às instituições deve ser contida

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Margarida Genevois

Presidente de honra da Comissão Arns

José Carlos Dias

Presidente da Comissão Arns e ex-ministro da Justiça (1999-2000, governo FHC)

José Gregori

Membro fundador da Comissão Arns, ex-secretário nacional de Direitos Humanos (1997-2000) e ex-ministro da Justiça (2000-2001) no governo FHC

A Constituição jamais estará a serviço de quem quer destruí-la. Ela não pode ser invocada, interpretada ou aplicada para favorecer ou assegurar a impunidade daqueles que buscam aniquilá-la. A tentativa de subverter a ordem constitucional é crime e não pode passar impune.

Ao agraciar com a impunidade um condenado que atentou contra as instituições democráticas, o presidente da República viola, ele próprio, o pacto constitucional. A concessão de graça, nos termos expressos no decreto presidencial, não encontra respaldo nas atribuições do presidente da República. Tal como concedida, fere o princípio republicano, que não autoriza o mandatário a colocar suas preferências e interesses pessoais acima da lei, assim como fere o princípio da separação de Poderes, pois o indulto foi empregado como verdadeira anistia, usurpando função do Congresso Nacional e com clara finalidade de confrontar uma decisão judicial.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) posam com cópia emoldurada do perdão presidencial durante ato em defesa da liberdade de expressão no Palácio do Planalto, em Brasília - AFP

O indulto previsto na Constituição, para ser compatível com o princípio republicano e o princípio da separação de Poderes, que constituem cláusulas pétreas de nosso sistema constitucional, não pode ser interpretado como uma competência discricionária absoluta do presidente que lhe autorize atender a interesses pessoais ou agraciar apaniguados que afrontem a legalidade.

Ao abusar de suas prerrogativas institucionais, o presidente deixa claro seu propósito de desestabilizar as instituições. No Estado de Direito, no entanto, não há esfera de poder imune ao controle do Judiciário. Sendo função precípua do Supremo Tribunal Federal guardar a Constituição, caberá a ele definir sobre a validade do lamentável decreto.

Ainda que todas as instituições e autoridades devam respeitar e estejam obrigadas a defender a Constituição, em casos de divergência entre os Poderes a responsabilidade pela última palavra cabe exclusivamente ao Supremo. E isso por determinação da própria Constituição. Insurgir-se contra essa regra seria trair a Carta Magna.

Neste momento de grave crise que vive a República, é fundamental que Senado Federal, Câmara dos Deputados e governadores se alinhem na defesa da democracia, hoje duramente vilipendiada por sucessivos atos de vandalismo político.

A democracia arduamente construída após mais de duas décadas de regime de exceção —que roubou o direito legítimo do povo brasileiro de escolher seus governantes, sem falar na sistemática violação de direitos humanos— vê-se novamente ameaçada, agora por milicianos institucionais, que plantam o caos com o propósito de colher a graça do poder sem limites.

O Brasil precisa de paz para poder se desenvolver. Temos muitos desafios pela frente. O flagelo da fome, do desemprego, da deseducação, da desigualdade, do racismo estrutural; a volta da inflação, que preda os salários dos mais pobres, a ineficiência econômica, a baixa produtividade e a insegurança para investimentos; a devastação do meio ambiente, que constitui um de nossos principais ativos; a insegurança pública, que deixa a população refém das milícias e do tráfico; e a constante afronta aos direitos dos povos indígenas, além de um galopante isolamento internacional, com graves consequências para a defesa dos interesses nacionais.

Nenhum desses problemas será devidamente superado num ambiente de constante crise, fomentada deliberadamente por um governo obcecado, única e exclusivamente, em permanecer no poder, erodindo nossa democracia constitucional.

O Brasil precisa de paz interna para que alunos possam aprender, para que os trabalhadores possam conquistar seu sustento, para que os empresários possam investir e inovar, para que os militares possam cumprir sua missão de proteger nossas fronteiras sem interferir na política. Enfim, para que cada cidadão possa buscar uma vida digna.

Não há mais espaço para ingenuidade e muito menos para a omissão criminosa por parte dos que têm a obrigação de defender a Constituição e as instituições do Estado democrático de Direito.

A escalada de ataques a nossas instituições deve ser imediatamente contida, sob pena de vermos definitivamente pavimentada o caminho para um regime autocrático. O Supremo Tribunal Federal tem o respaldo de todos aqueles que são leais à democracia, devendo ter a tranquilidade de cumprir a sua missão de guardião último da Constituição.

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