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Guilherme Forma Klafke e João Pedro Favaretto Salvador

O Judiciário e os bloqueios de aplicativos

Riscos e desafios à credibilidade e coerência do sistema de Justiça continuam

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Guilherme Forma Klafke

Professor da pós-graduação lato sensu da FGV Direito SP e líder de pesquisa no Cepi (Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação) - FGV Direito SP

João Pedro Favaretto Salvador

Mestrando em direito penal (USP) e líder de pesquisa do Cepi - FGV Direito SP

Depois de ganhar usuários com os bloqueios no WhatsApp, o Telegram quase passou pela mesma experiência do concorrente. Em decisão proferida em 18 de março, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que a empresa responsável pelo aplicativo não atendeu a diversas determinações realizadas pela corte nos inquéritos que está conduzindo. A decisão de bloqueio gerou uma rápida resposta do Telegram. Dois dias depois, ela foi revogada após a empresa atender às ordens judiciais.

Apesar da solução do problema, o debate sobre o poder das autoridades na internet não terminou com a revogação. A situação pode se repetir. O bloqueio de aplicativos como o Telegram pode trazer enormes desafios ao próprio Judiciário, colocando em risco sua credibilidade e coerência, ainda que busque garantir a autoridade das decisões judiciais e da legislação brasileira.

Logomarca do Telegram - AFP

O primeiro trata da efetividade da decisão. Não é a primeira vez que o Telegram é banido em um país. Por decisão judicial, o aplicativo foi banido na Rússia, em 2018, quando contava provavelmente com 14 milhões de usuários. O motivo também foi falta de colaboração com o governo, daquela vez no combate ao terrorismo. Em 2020, o bloqueio foi suspenso por inefetividade da medida. O Telegram passou a usar proxies (servidores intermediários de outras empresas) para estabelecer conexão com seus usuários. Se esses servidores intermediários são bloqueados, isso não afeta apenas o Telegram, mas todos os serviços que usam esse ponto de conexão na internet.

As autoridades não impediram o crescimento do aplicativo, que chegou a 38 milhões de usuários ativos em 2021. O bloqueio brasileiro poderia ter um destino parecido, pois vários usuários do Telegram se organizaram para buscar meios de contorná-lo. Multar quem usasse VPN (rede privada virtual) conduziria, no mínimo, a dificuldades operacionais.

O segundo desafio é compatibilizar os bloqueios com o resultado do caso WhatsApp. A Meta (ex-Facebook) sempre alegou impossibilidades técnicas decorrentes da criptografia ponta a ponta para cumprir decisões judiciais. Foi a mesma alegação do Telegram no caso do banimento russo. O julgamento dessa questão jurídica pelo STF foi suspenso por pedido de vista de Moraes após dois votos favoráveis a não bloquear o Whatsapp (ADI 5527 e ADPF 403). Os votos, inclusive, questionam se esse bloqueio é possível em nossa legislação. Assim como a Meta optou pela criptografia para seu modelo de negócio do WhatsApp, o Telegram decidiu pela não colaboração com governos como parte de seu modelo de negócio, afirmando que sua prioridade é a proteção dos usuários. O que faz um modelo ser ilegal e o outro não?

O terceiro desafio é lidar com as consequências do argumento de "resguardo das decisões judiciais". Qualquer juiz, em qualquer lugar do Brasil, poderá alegar que um provedor de aplicativo não cumpre suas decisões e, sob o mesmo entendimento, determinar o seu bloqueio? Isso poderá nos transportar de volta aos bloqueios que levaram às ações que hoje estão paradas no Supremo.

O último desafio é entender se esse tipo de decisão ajuda no combate à desinformação. O Judiciário e os órgãos de investigação continuarão com dificuldades para combater grupos coordenados, ainda que eles deixem de usar o aplicativo bloqueado. Sempre existirão outros aplicativos que, assim como ocorreu no passado, tentarão capitalizar sobre os obstáculos da concorrência.

O caso ressalta a importância de que os 11 ministros se manifestem sobre a questão de bloqueio de aplicativos e firmem uma posição da corte sobre o tema. E esses desafios deverão ser levados em consideração.

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