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Carlos Ari Sundfeld e Candido Bracher

Os presidentes e a lei

Brasil parece ter se acostumado a negligências no cumprimento da legislação

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Carlos Ari Sundfeld

Professor titular da FGV Direito SP

Candido Bracher

Administrador de empresas formado pela FGV, foi executivo do setor financeiro por 40 anos

Gostemos ou não dos juízes, concordemos ou não com suas decisões, não há como achar normal o indulto com que o Supremo Tribunal Federal foi recentemente confrontado.

Agir para desmoralizar a ordem institucional do país não é modo fiel de exercer competências presidenciais. Também não o é a sistemática sabotagem das leis. Elas podem ter seus problemas e anacronismos; mas, para melhorá-las democraticamente, o caminho é o processo legislativo.

Quem assume a Presidência da República jura respeitar a ordem institucional do país: manter, defender e cumprir a Constituição e observar as leis, jamais atentando contra o cumprimento destas e das decisões judiciais. As peças que compõem essa ordem institucional podem ter seus defeitos. Por isso, não são imutáveis. É papel da chefia do Estado, quando entender necessário, propor sua melhoria em caráter geral ou acionar os recursos para corrigir erros pontuais, inclusive quando vierem da Justiça. Mas nem todos os meios são legítimos. Nem política nem juridicamente.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) posam com cópia emoldurada do perdão presidencial durante ato em defesa da liberdade de expressão no Palácio do Planalto, em Brasília - AFP

O presente governo federal dá mostras claras de desprezo pelas leis ambientais. Não quanto às exigências sobre produtores rurais estabelecidos regularmente. Em relação a eles, há evidências de evolução no cumprimento dos requisitos ambientais aplicáveis. Mas não é assim quanto às leis de preservação do bioma amazônico por meio da repressão à grilagem, ao desmatamento, ao garimpo ilegal e à invasão das terras indígenas e devolutas.

Muitas formas de infidelidade têm sido usadas. E seu efeito geral tem sido solapar o cumprimento da legislação.

Não é normal desmontar pouco a pouco o aparato repressivo, em especial a estrutura do Ibama. Não é natural que autoridades façam pronunciamentos públicos em favor de infratores. São atitudes para enfraquecer e inibir a aplicação das leis.

A desmoralização do arcabouço ambiental do país é atestada pelo crescimento de 75% na taxa de desmatamento na Amazônia desde a posse do atual governo. Gostemos ou não das leis ambientais vigentes, não podemos achar normal que o Poder Executivo atue com desleixo ou desinteresse na sua aplicação.

Não é opção legítima de governo, é sabotagem da ordem institucional.

Também não é razoável querer submeter as terras indígenas ao regime do projeto de lei 191, proposto pelo governo ao Congresso Nacional para legalizar situações irregulares. Acenar com a perspectiva de impunidade é um modo de encorajar infratores, não de aprimorar a ordem jurídica.

Mas é fato que, antes mesmo do atual governo, nosso país parece haver se acostumado às negligências públicas no cumprimento de leis importantes. Um exemplo talvez sejam as leis que regem os conflitos sobre a propriedade da terra. Há indícios de possível negligência quanto a elas, em anos anteriores.

Segundo o relatório "Conflitos no Campo 2020", da Comissão Pastoral da Terra, entre 2011 e 2017 as ocupações e acampamentos foram em torno de 220 e 20 por ano. Em 2019 e 2020, caíram para uma média de 37 e 4, respectivamente. Uma queda entre 75% e 85%. E isso, segundo a mesma fonte, apesar do aumento nos conflitos de terra: no período de 2011-2017 foram 850 anuais; em 2019, 1.260; e, em 2020, 1.576.

Esses dados parecem indicar que, nos anos mais recentes, autoridades aumentaram o rigor, levando as partes a recorrer à Justiça, e não às invasões ilegais, para solucionar conflitos agrários.

As eleições estão chegando. Será a hora de, pelo voto, exercer nossa cidadania e cumprir nosso dever para com o país. Uma das escolhas, talvez a principal, é quanto à pessoa que, na presidência da República, vai exercer a chefia do Estado.

Em um Estado democrático de Direito, as eleições não servem para os eleitores escolherem seu sabotador preferido, segundo interesses e percepções individuais.

Divergências de programa entre candidatos são naturais e necessárias em uma democracia. Mas todos os candidatos devem ter o mesmo compromisso básico com a ordem institucional. Esse compromisso tem de ser integral, ou simplesmente não existe.

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