Quais os impactos da pandemia no cotidiano das pessoas? Como a cultura se relaciona com essa questão? E como se imagina o mundo pós-pandemia? Essas perguntas resumem inquietações colocadas para a ação do Sesc (Serviço Social do Comércio), instituição que nos últimos anos se reinventou. Nós, e toda a área sociocultural, fomos levados a nos adaptar nessa realidade diversa do que sempre tivemos —antes marcada pela aglomeração.
Adentramos "as nuvens", com atividades online voltadas a promover o convívio. Antes do retorno ao presencial, já era premente refletir sobre o impacto da pandemia para trilhar um caminho futuro. Daí a pesquisa "A reinvenção da vida e da saúde em tempos de pandemia – o lugar da cultura", realizada pelo Sesc por meio de seu Centro de Pesquisa e Formação, em parceria com a Faculdade de Medicina da USP e sob coordenação do médico sanitarista Ricardo Rodrigues Teixeira, dos pesquisadores Rogério da Costa Santos e Sabrina Ferigato e da equipe do Sesc.
A união entre Sesc e universidade culminou num método inusitado de investigação: um questionário online com mediadores (Adriana Couto, Paschoal da Conceição, o rapper Rael e Rita von Hunty) acolhendo os respondentes por meio de vídeos. Assim, a pesquisa se apresentou como uma intervenção cultural colaborativa para pensar os impactos da pandemia no cotidiano e no uso do tempo livre, relacionando-os com as estratégias de enfrentamento da situação adversa deste período. O levantamento identificou a relação das atividades culturais com a saúde e o bem-estar, em destaque à subjetividade dos indivíduos e às formas de se relacionar com o outro e com o mundo, na importância dos vínculos e de lutar por significados e pela cultura.
Foram por volta de 1.100 respondentes para um questionário de cerca de 50 minutos de duração, com perguntas abertas e fechadas. Os resultados destacam o predomínio da ansiedade na experiência relativa à saúde e ao bem-estar. Em relação à parte física, surgiram dores osteomusculares e aumento de peso.
Em relação ao bem-estar, sobressaíram preocupações com sedentarismo, aparência física e rotina de trabalho, estudo e lazer, além da preocupação com o risco de contágio e transmissão da Covid-19.
Outros medos e preocupações nessa cartografia dos padecimentos se expressaram no excesso de exposição às telas, na situação política e econômica do país, na tristeza pela catástrofe coletiva e, principalmente, na percepção de prejuízos nas relações sociais. Por outro lado, a pesquisa confirma a importância das atividades culturais nos meios digitais como recurso de resistência e dispositivo de produção de saúde e bem-estar, pois ambos nos permitem voltar a habitar as intensidades da vida e da vida em comum. As ações socioculturais contribuíram para que as pessoas amenizassem os sentimentos de solidão e ansiedade, permitindo reinventar modos de viver e de preservar o pensamento para enfrentar a pandemia.
As atividades que mais contribuíram para a produção de bem-estar foram: ver filmes; ouvir música; ler; conversar; dormir; cuidar de animais de estimação; comer; participar de atividades de ensino; interagir nas redes sociais; cozinhar e praticar jardinagem. Durante a pandemia, o Sesc intensificou e diversificou as ações socioculturais de forma virtual, com debates, apresentações artísticas, ações de educação em saúde, físico-esportivas e tantas outras. Os dados e análises da pesquisa, realizada em 2021, estão disponíveis em sescsp.org.br/olugardacultura.
Por fim, a pesquisa aponta novas possibilidades de investigação científica, outras configurações sociais e diferentes subsídios para o planejamento do que está por vir. Reinventar-se não é só algo possível; é, sim, uma condição da vida existente em cada um de nós sempre que o meio social nos exige respostas. E cada resposta abre um novo caminho a ser trilhado em conjunto, como poetizou Guimarães Rosa: "Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura".
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