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Luciana Temer

Para que serve uma passeata virtual?

Vamos mostrar, pela internet, a realidade da violência sexual contra menores

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Luciana Temer

Advogada, professora da Faculdade de Direito da PUC-SP e presidente do Instituto Liberta

Tenho feito uma provocação com as pessoas com quem converso: pense rápido, sem filtro, qual a primeira palavra que vem à sua cabeça se te pergunto qual é a vítima de estupro no Brasil? Quase todos me respondem o que você, leitor, provavelmente pensou: a mulher.

O problema é que a resposta está errada. O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2021, aponta que 60,6% de todos os estupros registrados no país foram contra meninas de menos de 13 anos de idade. Ora, se esse dado existe, por que não pensamos em meninas?

A advogada e professora de direito Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta - Keiny Andrade - 18.mai.21/Folhapress

Posso elencar aqui uma série de razões pelas quais mulheres, não meninas, estão no nosso registro mental. Mas, sem dúvida nenhuma, a principal delas é que os movimentos feministas, por meio da sociedade civil organizada, colocaram a violência contra a mulher na pauta da sociedade, o que foi de fundamental importância para o seu enfrentamento.

Sei disso porque, quando fui delegada de polícia e atuei na Delegacia de Defesa da Mulher no estado de São Paulo, há mais de 30 anos, essa violência não tinha o tratamento que lhe é dado hoje. Nem pela legislação (imagine que não havia lei específica para violência doméstica); nem pela política pública (como a existência da Casa da Mulher Brasileira); nem pelas empresas (que de forma alguma associavam sua marca a esta causa!); e tampouco pelas mídias em geral, que falavam eventualmente sobre o assunto.

Evoluímos muito, e hoje temos leis como a Maria da Penha, os crimes de feminicídio, de importunação sexual, de violência política contra a mulher e outras tantas ações não só de enfrentamento da violência como de busca por igualdade entre homens e mulheres, como é o caso da lei de cotas para mulheres candidatas. Além, é claro, de que toda empresa hoje faz questão de ter seu nome associado a alguma ação de fortalecimento da mulher.

Tudo isso porque conseguimos tirar essa violência (que era constrangedora para a vítima e considerada algo da esfera privada e doméstica) da invisibilidade. Imagine se alguma mulher "rica" iria à delegacia denunciar uma violência! Isso era "coisa de periferia". O fato é que violência contra a mulher continua a ser um grande desafio para a nossa sociedade, mas estamos em um caminho importante de mudança de cultura.

O Instituto Liberta, junto com muitas outras organizações, está tentando fazer hoje com a violência sexual contra crianças e adolescentes exatamente o que foi feito com a violência contra a mulher: tirar da invisibilidade para iniciar um processo de enfrentamento.

Voltando à questão inicial, sobre quem é a vítima de estupro no Brasil, algumas pessoas me falam: "Ah, mas mulher e menina são a mesma coisa". Não, não são! Quando o assunto é violência contra a mulher, fala-se basicamente de enfrentamentos ligados à repressão desses crimes —basta ver as leis que citei.

Quando a sociedade finalmente enxergar que a maior parte da violência sexual é contra meninas, iremos começar a falar de políticas públicas de prevenção.

Vamos começar a falar de educação, de escola e de como ensinar crianças a se protegerem dessas violências e adolescentes a construírem relações sexuais saudáveis. É para isso que vai servir a primeira passeata virtual do mundo! Para romper com o silêncio, com o constrangimento e encarar que o problema existe —porque este é o primeiro passo para que ele acabe.

Bom, mas como ninguém sabe o que é uma passeata virtual, gravamos uma simulação de como ela sairá no dia 18 de maio. É só entrar no site www.agoravcsabe.com.br para ver e entender que a passeata não é sobre a história de alguém, mas sobre a força do coletivo. Cada pessoa que gravar passará apenas uma vez pela tela, junto com outros rostos e vozes, falando o grito da passeata: "Violência sexual contra crianças e adolescentes é uma realidade. Eu fui vítima. E agora você sabe".

Se você tem dúvida se já sofreu alguma violência sexual, clique no "Já fui vítima?". Talvez se surpreenda ao perceber que já foi vítima e não tinha se dado conta; isso porque nossa sociedade minimiza as violências sutis. Nem toda violência sexual é traumática, mas toda violência sexual é crime e é inadmissível! Venha nos ajudar a mudar essa realidade. Agora você sabe.

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