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Marcio Aith

Peter Pan envelheceu

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Voto jovem é bem-vindo, mas não nos esqueçamos dos eleitores acima dos 70

Marcio Aith

Advogado e jornalista, foi secretário de comunicação do Supremo Tribunal Federal

"Fiz esse beat só pra ver elas
Descendo, descendo, descendo
No chão, novinha, novinha,
novinha, novinha"

A referência acima é de um funk ("No Chão Novinha") composto e cantado por Pedro Sampaio em parceria com Anitta, artista top 10 do mundo. A cantora encabeçou campanha para que jovens brasileiros de 16 e 17 anos tirassem o título de eleitor nas eleições deste ano. Assim como os idosos acima de 70 anos, esses jovens não são obrigados a votar.

Lançada no Twitter, a campanha teve repercussão internacional. Foi replicada por estrelas de peso como Juliane Moore e Leonardo DiCaprio, preocupados, em especial, com o impacto que um resultado eleitoral indesejado —por eles— teria na preservação da Amazônia.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), vilão oculto da campanha, vestiu logo a carapuça. Num tuíte, ironizou Anitta e sugeriu a DiCaprio que ficasse de boca fechada e que tratasse de coibir a emissão de poluentes dos iates luxuosos nos quais passeia.

A campanha de Anitta, consta, recrutou grande número de eleitores entre 16 e 17 anos. Na sexta-feira (3), o Tribunal Superior Eleitoral divulgará o número de novos eleitores inscritos. O sucesso da campanha deverá reforçar a ideia de que a juventude salvará nossas florestas e nos afastará do obscurantismo.

Mas essa percepção não poderia ser mais errada. Não somos mais um país de jovens. Envelhecemos. No universo daqueles que podem decidir entre votar ou não há, por um lado, 1,6 milhão de eleitores abaixo de 18 anos e, por outro, 13 milhões acima dos 70 anos. Ou seja, para cada voto de um eleitor de primeira viagem existem oito votos de eleitores veteranos.

Ignorar o eleitorado idoso pode produzir efeitos inesperados, como mostram exemplos recentes. O mais notório deles foi o Brexit, quando cerca de 60% dos britânicos acima de 65 anos surpreenderam o mundo ao votar pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia.

O exemplo do Brexit nos traz duas lições: os idosos preocupam-se essencialmente com a qualidade de vida dos anos que lhe restam e também são extremamente suscetíveis a fake news. Durante aquele referendo, divulgou-se clandestinamente que, se não fosse aprovada a saída da Inglaterra da UE, leitos hospitalares seriam ocupados por estrangeiros. Já nos EUA, em 2016, Donald Trump explorou a xenofobia para vencer Hillary Clinton por sete pontos justamente entre os eleitores mais velhos.

No Brasil, se não por empatia ou decência, o poder público precisa entender ao menos o risco eleitoral do abandono de políticas públicas e serviços de saúde para idosos.

Sempre vale lembrar que, em números absolutos, o Brasil tem mais idosos do que países desenvolvidos como Japão, Alemanha, França e Itália. Temos a ilusão de sermos mais jovens porque tendemos sempre a olhar para a proporção de idosos no conjunto da população, não para a quantidade de pessoas idosas.

Também vale lembrar que, embora tenhamos uma das dez populações mais idosas do mundo, o Brasil ocupa o 58º lugar no ranking de qualidade de vida e bem-estar de idosos. Estamos muito atrás da Argentina (31º) e atrás de vizinhos latinos como Bolívia (51º), Colômbia (52º) e Nicarágua (54º).

Esses são dados do país, não um problema de Anitta —que, aliás, só merece elogios. Ela certamente concordaria com a constatação de que idosos não votam no passado e jovens não votam no futuro. Votamos todos no presente.

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