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Vera Valente

Precisamos falar sobre custos

Alta nos planos é evidência de que todo o setor de saúde precisa buscar respostas

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Vera Valente

Diretora-executiva da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar)

O reajuste de 15,5% anunciado nesta quinta-feira (26) pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para planos de saúde individuais e familiares evidencia mais uma vez que que cuidar da saúde não é barato. E este é o momento ideal para que todos —operadoras, gestores de saúde, prestadores e beneficiários— tenhamos a clareza de que precisamos agir para evitar que os custos de assistência médica explodam.

É bom que se diga, logo de partida, que este não é um problema exclusivamente brasileiro. O mundo todo está preocupado com as altas contínuas, e em busca de urgentes respostas. Estudo recente da Fundação Bill & Melinda Gates prevê aumento de 82% dos gastos globais em saúde em dólar até 2050. Isso depois de eles terem subido 4% ao ano, ou seja, mais que dobrado, desde 1995.

Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde
A diretora-executiva da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), Vera Valente - Divulgação

Os fatores que jogam os custos da saúde para cima se repetem aqui e em todo lugar: transição demográfica, com maior quantidade de idosos que demandam cuidados; prevalência de doenças crônicas, com tratamentos mais prolongados; e uso cada vez mais intenso de terapias inovadoras, quase sempre caríssimas. A parte boa da história é que essa confluência resulta em maior expectativa de vida para as pessoas, o que merece muita comemoração. A ruim é que esses mesmos vetores se somam para encarecer bastante os tratamentos.

As condições atuais exigem ação imediata para impedir uma escalada que, se nada for feito, pode se constituir numa barreira intransponível. Gestores, tanto dos sistemas públicos, quanto dos privados, têm papel fundamental, pela possibilidade de alterar políticas e procedimentos que resultem numa economia estrutural de recursos. Mas prestadores de saúde e pacientes também têm sua parcela de colaboração a dar, seja evitando desperdícios, seja fazendo uso mais racional dos recursos médicos.

É mais difícil agir sobre fatores estruturais ou sobre aumentos de preços decorrentes de choques de oferta, como é o caso de insumos e matérias-primas cuja alta se acelerou globalmente desde a eclosão da pandemia. Mas é possível fazer muito para evitar impactos altistas com escolhas, critérios e ritos mais rigorosos na incorporação de novos medicamentos e procedimentos em saúde, fator central sobre os custos de tratamentos hoje e com importância ascendente doravante.

O Brasil tem hoje um dos sistemas mais ágeis do mundo quando se trata da atualização da lista de tratamentos que é definida pela ANS para ser obrigatoriamente coberta pelos planos de saúde. Mais rapidez é ganho para o paciente. O problema são algumas situações que facilitam a adoção de tratamentos e drogas cujos resultados nem sempre justificam sua incorporação, tendo em vista o cotejo entre o efeito sobre a melhoria de qualidade de vida dos pacientes e os custos adicionais correspondentes, às vezes proibitivos. Não são incomuns coberturas já disponíveis e muito mais baratas produzirem resultados melhores.

A chave para obter respostas mais adequadas está na realização abrangente —isto é, imposta a todos os tipos de medicamentos e procedimentos— da análise de custo-efetividade dos novos tratamentos, seja pela ANS, no caso dos planos de saúde, seja pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), no caso da rede pública. É a chamada avaliação de tecnologias em saúde, a ATS, prática adotada em todos os sistemas de assistência organizados do mundo.

Cada vez mais é necessário rigor na análise, na escolha e na incorporação de itens de saúde, com critérios mais bem delineados, transparentes e mensuráveis. Até porque a indústria de medicamentos avança e avançará com velocidade espantosa, e a chegada de novas terapias gênicas, específicas para cada tipo de paciente e também muito onerosas, vai se acelerar. Logo, os impactos sobre os custos tendem a ser cada vez mais explosivos.

A previsão é de 10 a 20 novas inclusões desse tipo de terapias ao ano nos EUA, o que fatalmente vai se reproduzir no Brasil. Aliás, já está acontecendo: desde que o país adotou novas regras de incorporação, decorrentes da lei 14.3017/22, dois tratamentos já foram aprovados pela Anvisa, com preços que variam de R$ 1,7 milhão a R$ 2,2 milhões no mercado americano.

Sem falar no zolgensma, para tratamento de atrofia muscular espinhal, aprovado pela Anvisa e pronto para ser comercializado no país ao custo de R$ 6,5 milhões por paciente. Sim, por paciente! Tomando por base a despesa média per capita em saúde no país, que, segundo o Conselho Federal de Medicina foi de pouco menos de R$ 1.400 em 2019, esse mesmo recurso permitiria tratar 4.600 pessoas. São escolhas que precisam ficar claras para a sociedade, porque é ela quem paga essa conta.

É por essas razões que os critérios de incorporação devem ter como parâmetro fundamental os preços cobrados pelos laboratórios pelos seus produtos. Os fabricantes —que, hoje, são os únicos que realmente ganham sempre nesse jogo— também devem ser chamados a compartilhar riscos relacionados ao sucesso ou não dos novos tratamentos. Hoje, eles cabem integralmente aos financiadores, ou seja, os beneficiários, que dividem a totalidade das despesas dos planos de saúde, e os contribuintes, que pagam os tributos que mantêm o SUS.

As incorporações são muito bem-vindas como promotoras de mais bem-estar para as pessoas. Mas só escolhas muito criteriosas, com parâmetros rigorosos, farão com que essas inovações não se tornem tóxicas, levando, no extremo, à inviabilidade absoluta de alguns tratamentos, e por consequência, a uma crise no sistema de assistência à saúde, tanto público quanto privado. Mais do que nunca, precisamos falar sobre custos. Antes que seja tarde demais.

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