Descrição de chapéu
Giovana Madalosso

Que Brasil é esse?

Relatos de uma viagem a cantos conservadores do Sul do Brasil

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Giovana Madalosso

Escritora, é autora de "Tudo Pode Ser Roubado" e "Suíte Tóquio" e colunista da plataforma de mudanças climáticas Fervura

Há poucas semanas, viajei para fazer pesquisa para um novo romance. Fui até Witmarsun, colônia menonita no Paraná. Na estrada de bambuzais que leva ao município, já sabia o que me esperava: uma das comunidades mais conservadoras do país.

Caí na única avenida da cidade, ladeada por plantações e casas em estilo germânico. Quase atropelei uma vaca ao ver quem sorria de braços abertos para mim: o Mito, estampado em um imenso outdoor, junto da frase "Força, presidente". Fiquei me perguntando se o presidente devolverá essa força quando o desmatamento em curso aumentar a temperatura e comprometer o regime de chuvas a ponto de transformar aqueles milharais em pipoca.

Avancei, procurando pelo endereço de um casal que topou me dar entrevista. Enquanto comíamos um delicioso zwieback, me contaram que a colônia nem sempre foi daquele jeito. Alguns dos velhos preceitos dos imigrantes eram a não submissão ao governo, a rejeição a armas de fogo e a liberdade religiosa, que também andava um pouco démodé —os filhos do casal, ateus, eram orientados a não mencionar esse pormenor da família para seus amiguinhos sob o risco de não serem aceitos na comunidade.

Casa na Colônia Witmarsun, no Paraná
O museu Heimat, na Colônia Witmarsun, no Paraná - Reprodução

Concluída a pesquisa, segui viagem, passando por São João do Triunfo, onde um ativista LGBTQ+ foi morto a tiros e depois carbonizado em seu próprio carro em 2021.

Cheguei a Balneário Camboriú (SC), que tem o metro quadrado mais caro do país, passei por ruas cheias de lojas de marca e placas da prefeitura: "Não dê esmola. Dê oportunidade. Disque 156". Sob uma das placas, um mendigo, amedrontado em estender a mão, revirava o lixo. Pensei em dar um pão, mas fiquei com medo de ser flagrada por uma sirene.

É com esses Brasis, tão brasileiros quanto quaisquer outros, que precisamos lidar. Tenho a sensação de que dizem: decifra-me ou te devoro.

Temos até outubro para matar essa charada.

Morador de rua procura coisas no lixo ao lado de placa da prefeitura, em Balneário Camboriú
Morador de rua procura coisas no lixo ao lado de placa da prefeitura, em Balneário Camboriú - Giovana Madalosso
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