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Tabata Amaral e Duda Alcantara

Um tapume para esconder o desastre

Quatro anos após tragédia em SP, locação social ainda é raridade

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Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal (PSB-SP); formada em Harvard, criou o Instituto Vamos Juntas e é cofundadora do Mapa Educação e do Movimento Acredito

Duda Alcantara

Arquiteta urbanista, ativista pela moradia digna e conselheira CAU/SP

Era 1º de maio de 2018, e o relógio marcava 1h30 quando o edifício Wilton Paes de Almeida (mais conhecido como Paissandu, antiga sede da Polícia Federal e do INSS) começou a pegar fogo. Lá viviam 291 famílias. As chamas, que teriam sido provocadas por um curto-circuito no quinto andar do prédio, se alastraram rapidamente. Em pouco tempo, o edifício veio abaixo. Sete pessoas morreram, entre elas Wendel e Werner, gêmeos de dez anos, e outras duas ficaram desaparecidas.

Quatros anos se passaram desde que ocorreu um dos maiores desastres habitacionais da cidade de São Paulo. Em todo esse tempo, a única resposta do poder público foi instalar um tapume em volta do terreno.

Muitas reportagens da época disseram que o movimento de moradia que ocupava o prédio era criminoso, optando por ignorar o fato de que essas pessoas, na verdade, são vítimas. Ocupam porque precisam. O verdadeiro crime nessa história é permitir que tantas pessoas vivam em condições extremamente precárias, com uma família inteira se fazendo caber em cômodos minúsculos que contam, no máximo, com divisórias de madeirite. Na cidade mais rica do país, essa é a realidade de mais de 700 mil famílias.

Falando do problema em nível nacional, segundo a Fundação João Pinheiros 23 milhões de domicílios não têm banheiro, reservatório de água, saneamento, piso ou cobertura adequada. Estamos falando de mais de um terço das casas brasileiras. Para termos apenas alguns exemplos das graves consequências desse problema estrutural, a Organização Mundial da Saúde estima que cada R$ 1 investido em saneamento gera uma economia de R$ 4 em saúde.

O que aconteceu no edifício Paissandu é mais uma mostra de que nossas políticas públicas de habitação têm sido tão efetivas quanto o tapume colocado pela prefeitura. O que explica que um prédio tenha permanecido abandonado por 17 anos na região central, onde temos transporte, emprego, lazer, água encanada e energia elétrica?

Problemas complexos exigem soluções que se estendem além de uma única política pública. No entanto, a construção de novas unidades habitacionais vem sendo adotada como resposta única e suficiente para a questão habitacional.

Projeto de prédio da Prefeitura de SP para edifício no lugar do Wilton Paes de Almeida, destruído por um incêndio em 2018 - Ilustração

Nunca se falou no país de forma séria e ampla, por exemplo, sobre a locação social. Temos apenas alguns programas isolados e tímidos, o que seria explicado tanto pela complexidade da gestão pós-ocupação quanto pelo fato de que o sonho da casa própria está entranhado em nossa cultura. No entanto, precisamos entender a locação social como uma política complementar às demais. Inclusive, o ex-prefeito Bruno Covas se comprometeu a implementar essa proposta no Paissandu em 2020, mas essa promessa nunca saiu do papel.

As locações sociais podem ser uma resposta muito efetiva para prédios abandonados ou até mesmo para unidades isoladas dentro de um edifício. Pode ser um programa público —como o Palacete dos Artistas e a Vila dos Idosos— ou privado, como é o caso da organização sem fins lucrativos Fica, da iniciativa Soma, ou do conjunto que a Fundação Tide Setubal quer construir no Jardim Lapena.

É importante ressaltar que essa é uma política distinta da do aluguel social ou bolsa-aluguel, na qual a família recebe R$ 400 mensais, valor que é extremamente baixo para a realidade paulistana.

Como dizia Einstein, "loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual". É passada a hora de encararmos com urgência e com a complexidade necessária este que é um dos maiores problemas não só da capital paulista, mas também do nosso país. Devemos isso aos milhares de Wendels e Weners que, quando não morrem de forma trágica, veem seus sonhos e futuros restringidos pelo CEP em que residem.

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