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Manoel Pires, Rodrigo Orair e Sérgio Wulff Gobetti

A quem interessa não tributar dividendos?

Discussão não pode ser ignorada num país com extrema desigualdade social

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Manoel Pires

Coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e pesquisador da UnB (Universidade de Brasília)

Rodrigo Orair

Pesquisador do Made/USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades/Universidade de São Paulo)

Sérgio Wulff Gobetti

Pesquisador e doutor em economia pela UnB

Em recente artigo nesta Folha ("Tributação de dividendos é má ideia", 31/5), três ex-secretários da Receita Federal criticam o fim da isenção do Imposto de Renda sobre dividendos, lançando no ar uma pergunta: "Enfim, a quem interessa essa má ideia?"

Além de provocativo, o texto chama a atenção por não fazer qualquer menção à relação entre tributação e distribuição de renda. Como se essa discussão no Brasil, um país de extrema desigualdade, pudesse passar alheia ao movimento mundial de resgate da progressividade tributária, princípio segundo o qual a renda dos ricos deve ser mais tributada que a dos pobres. Esse movimento ganhou ainda mais vigor desde a Covid-19, quando mais países passaram a adotar ações para eliminar as distorções criadas por benefícios tributários e brechas que permitem aos muito ricos escaparem do pagamento de imposto.

Partindo do pressuposto de que o resgate da progressividade (e equidade) é central, faz mais sentido refazer a pergunta inicial: a quem interessa não tributar os dividendos?

Em 2015, após duas décadas de apagão estatístico, a Receita Federal voltou a divulgar dados detalhados do Imposto de Renda. Os dados são reveladores. Os rendimentos isentos, principalmente os dividendos, são tão concentrados no topo da pirâmide social que chegam a representar quase dois terços do que ganha o 0,1% mais rico. No ano de 2019, por exemplo, um brasileiro auferiu a renda de R$ 1,4 bilhão, dos quais R$ 1,3 bilhão em dividendos livres de imposto.

Pode-se argumentar que a conta deve considerar o imposto já pago sobre o lucro da empresa. Mas é preciso cuidado para não confundir as alíquotas nominais do imposto com suas alíquotas efetivas. No papel, a alíquota de até 34% do IRPJ/CSLL está entre as mais altas do mundo, mas na prática a alíquota média se situa próxima de 23% devido a benefícios fiscais e brechas para planejamento tributário.

As evidências internacionais também mostram que, quando a tributação incide sobre lucros da empresa, há mais chance de ser repassada para consumidores ou trabalhadores, via aumento de preços ou redução de salários. Quando a tributação se dá diretamente sobre dividendos, ao contrário, há mais chance de sair do bolso do acionista. Não se deve confundir incidência jurídica com econômica. Tudo indica que a carga efetiva sobre lucros fique, em média, abaixo dos 23% no Brasil porque é mais fácil para a empresa repassar o imposto para terceiros.

Outra descoberta das pesquisas recentes é que, ao contrário do que os ex-secretários supõem, a retenção de lucros pelas empresas —induzida pela tributação dos dividendos— aumenta a poupança das mesmas e tende a gerar mais investimento e crescimento econômico do que no modelo com isenção.

Por fim, existe um imperativo colocado pela concorrência internacional que tem estimulado os países a aumentar a tributação sobre a pessoa dos acionistas como forma de compensar a redução parcial do imposto sobre o lucro das empresas transnacionais e, assim, evitar o seu deslocamento para paraísos fiscais.

Logo, por diversas razões, vemos a retomada da tributação dos dividendos e a simultânea redução do IRPJ/CSLL como uma boa ideia. A má ideia é insistir na aprovação do projeto de lei 2.337, que passou pela Câmara e está no Senado. Embora preveja a volta da tributação dos dividendos, ele cria exceções que podem agravar as distorções atuais. Como no caso da previsão de que sócios de empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões anuais continuem livres de imposto sobre dividendos e ainda se beneficiem de um IRPJ/CSLL menor.

Hoje, um economista, médico ou advogado de alta renda que crie uma empresa paga entre 6% e 17% de imposto. Se estivesse prestando serviço como empregado estaria submetido a 27,5% do IRPF mais contribuição previdenciária. Com a aprovação do PL 2.337, essa diferença pode aumentar em vez de reduzir, tornando nosso sistema ainda mais injusto, por tratar os semelhantes de forma desigual.

Portanto, o melhor debate não é sobre se devemos ou não tributar dividendos, mas sobre como fazê-lo.

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