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Guilherme Mello e William Nozaki

O governo deve taxar o lucro extra da Petrobras? SIM

Ganhos são fruto de instabilidade que distorce a alocação de recursos

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Guilherme Mello

Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

William Nozaki

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, é diretor técnico do Ineep

O choque no preço internacional do petróleo tem sido provocado pelo descompasso entre a maior velocidade de recuperação da demanda, com o arrefecimento da pandemia, e a menor intensidade de recomposição da oferta, com a continuidade da guerra. Isso tem gerado lucros extraordinários entre as grandes empresas de petróleo e prejuízos excepcionais entre os consumidores e produtores impactados pela inflação de combustíveis.

A indústria de óleo e gás lida com um insumo capaz de impactar toda a economia de maneira matricial, com fortes efeitos colaterais sobre a segurança energética e a inflação. Como se trata de um setor essencialmente oligopolista, a governança pública a fim de corrigir distorções de mercado é fundamental.

No curto prazo, os lucros extraordinários precisam ser tributados, pois são fruto de uma instabilidade sobre os preços relativos que distorcem a alocação de recursos. A adoção de uma tributação sobre lucros extraordinários deve respeitar a legalidade, a previsibilidade e a não discriminação, o que significa não ser um tributo retroativo e que incida sobre todas as empresas do setor, não apenas sobre a Petrobras.

No longo prazo, os ganhos excepcionais da indústria de petróleo precisam contribuir com um estilo de desenvolvimento mais sustentável. A emergência climática impõe a necessidade de que uma parte das rendas oriundas do petróleo seja utilizada em benefício do interesse público, contribuindo para uma transição ecológica e energética portadora de futuro.

No caso brasileiro, nosso modelo fiscal é imperfeito em captar essas rendas extraordinárias. Quando comparada a outras experiências internacionais, a indústria de petróleo paga menos impostos e desfruta de mais isenções. Os principais tributos que incidem sobre as petrolíferas, como ICMS, PIS/Cofins e Cide, na prática, são recolhidos pelas empresas, mas pagos pelos consumidores.

A ausência de uma maior taxação sobre lucros (inclusive os extraordinários) não tem favorecido a garantia e a ampliação de investimentos. A Petrobras teve um desempenho duas vezes superior ao das grandes petrolíferas estrangeiras, lucrou R$ 106 bilhões em 2021, mas substituiu a expansão do seu plano de investimentos pela distribuição de R$ 101 bilhões em dividendos aos acionistas, sobretudo privados e estrangeiros. Entre 2018 e 2020, a Shell encolheu seus investimentos, registrou prejuízo contábil e não contribuiu nem mesmo com IRPJ e CSLL no país.

Outra possibilidade seria a criação de um imposto sobre a exportação de petróleo bruto, o que facilitaria a cobrança e, provavelmente, traria menos contenciosos jurídicos e legislativos, além de ser uma medida de estímulo à reindustrialização, desincentivando a exportação primária e promovendo o investimento em refino. Um caminho também exequível passa pela revisão de renúncias fiscais que isentam empresas estrangeiras no setor de petróleo.

Todas essas medidas poderiam minimizar os impactos da alta dos combustíveis no curto prazo, seja utilizando as receitas obtidas com a tributação para concessão de subsídios aos consumidores, seja através da criação de fundos de estabilização de preço dos derivados do petróleo.

No entanto permanecerá o desafio de médio/longo prazo de ampliar a capacidade de refino nacional e repensar a política de preços atual, inadequada para um país que se tornou um grande produtor de petróleo e derivados, não um mero importador exposto às oscilações de preços nos mercados internacionais.

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