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Alexandra Andrade

O meio ambiente e as tragédias na mineração

Valor da vida não pode ser subjugado à engrenagem dos resultados econômicos

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Alexandra Andrade

Presidente da Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão); geógrafa, especialista em gerenciamento de recursos hídricos e técnica em meio ambiente

Como parte das comemorações do cinquentenário da primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano —conhecida como a Conferência de Estocolmo—, foi lançada a campanha "Uma só Terra", o mesmo mote do evento de 50 anos atrás, em 1972.

A campanha, que marca o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), evidencia que os problemas socioambientais de determinados lugares do Brasil e do mundo têm um potencial de produzir, em diferentes escalas, impactos em outros cantos do território nacional e do globo terrestre, mesmo que estes não estejam espacialmente próximos aos dos territórios afetados.

Nos 50 anos da primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, é necessário ecoar um alerta sobre as consequências dos dois maiores rompimentos de barragem da história brasileira. Em um intervalo de menos de quatro anos entre as duas tragédias, uma em Mariana (MG) e outra em Brumadinho (MG), ondas de lama tóxica de rejeitos de minério arrastaram e destruíram o que estava no caminho, com um saldo de 292 pessoas mortas, animais soterrados e devastação de vegetação, além da contaminação de importantes rios de duas bacias hidrográficas brasileiras, a dos rios Doce e a do São Francisco

O rompimento das duas barragens —tragédias que poderiam ser evitadas— apresenta um roteiro de devastações e impactos sociais, começando pela morte de 20 pessoas (19 vítimas e 1 nascituro), em Mariana (MG), e 272 pessoas (270 vítimas e 2 nascituros), em Brumadinho (MG).

No caso da primeira tragédia, ocorrida em 5 de novembro de 2015, em Mariana (MG), houve um tsunami de rejeitos de minério de ferro de 34 milhões de m3, cuja lama chegou ao litoral do Espírito Santo, poluindo as águas do Atlântico Sul. No curso do rio Doce, a pluma de minério percorreu por 17 dias cerca de 660 quilômetros, atingiu 38 municípios, alcançando o mar em 22 de novembro na foz localizada na vila de Regência (ES).

Realizada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) com a colaboração da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), uma pesquisa revelou que os rejeitos chegaram ao Parque Nacional dos Abrolhos, na Bahia, contaminando os seus corais.

O parque marinho está situado a cerca de 250 km da foz do rio Doce, revelando a dimensão das consequências do colapso de um reservatório industrial ocorrido distante do litoral. Encaminhado em 2019 ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o relatório demonstra o impacto nos corais com a identificação de metais, como zinco e cobre, presentes na pluma de rejeitos de minério que viajou até as águas do Atlântico Sul.

Em relação à segunda ruptura de barragem de mineração, em 25 de janeiro de 2019, 12 milhões de m3 de rejeitos de minério de ferro causaram um rastro de destruição em Brumadinho, provocando a morte de 272 pessoas. A onda de lama atingiu o Córrego do Feijão e alcançou o curso do rio Paraopeba, afluente de um dos principais rios do País, o São Francisco (bacia hidrográfica do São Francisco).

Além de provocar um drama social nas comunidades atingidas, a tragédia impactou a biodiversidade da região e as águas do rio Paraopeba ficaram impróprias para consumo, irrigação, pesca, banho e lazer da população. Logo após o rompimento, um estudo do Instituto Butantan e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizado com a coleta de águas do rio identificou o impacto para a população de peixes.

Encabeçando a lista de tristes recordes de eventos catastróficos no Brasil, o colapso da barragem em Brumadinho evidencia um padrão de atividade econômica que vai na contramão do respeito à vida e do equilíbrio climático, conforme prega a ONU.

É importante ficar atento aos avanços na legislação do exterior, sobretudo na Europa, onde algumas nações têm exigido das empresas a responsabilidade de avaliar —e conter— os impactos reais de suas atividades nos direitos humanos e ambientais.

A advertência —não causar danos às pessoas nem à natureza— estende-se para toda a cadeia produtiva de uma empresa, começando, inclusive, pelos fornecedores de matérias-primas. No caso da mineração, o fornecimento de ferro vindo do Brasil é uma das preocupações. As diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos sinalizam essa ampla preocupação: dos processos de produção e extração de matéria-prima até a etapa final de colocação de um objeto no mercado, as empresas são responsáveis por quaisquer violações à proteção da vida humana e do meio ambiente. Alemanha e França já adotaram leis para empresas com sede na União Europeia que passam a fazer diligências rigorosas em toda a cadeia de fornecedores.

As comemorações mundiais em torno do meio ambiente convergem cada vez mais para uma visão integral da atividade econômica e seus impactos no ambiente humano. É cada vez mais nítida a associação entre os direitos humanos, o direito à vida e as questões ambientais. A fiscalização das autoridades e do Poder Público, no Brasil e no mundo, abrange todo o ciclo produtivo: manejo cuidadoso da matéria-prima, tratar bem e proteger seus trabalhadores, dar segurança às comunidades e manter o equilíbrio ambiental.

O Projeto Legado de Brumadinho, idealizado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum), é um movimento para que tragédias socioambientais nunca mais aconteçam. Visto que a perda de uma vida é irreparável, resta o apelo por justiça aos atingidos e responsabilização dos culpados.

Existe uma contagem regressiva para o planeta. Com o seu dever social de indignação, o Projeto Legado de Brumadinho quer contribuir para que se possa construir, coletivamente, dias onde a vida seja um valor absoluto –não um item secundário, totalmente subjugado à engrenagem dos resultados econômicos.Vidas importam.

O valor da vida, sempre em primeiro lugar. É o recado da natureza.

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