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Mauricio Fiore

O que perguntamos sobre a política de drogas brasileira?

Debate passa por respostas encontradas, mas também pelas perguntas feitas

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Mauricio Fiore

Antropólogo e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

Analisados na série histórica, os resultados do tópico "drogas" da recente pesquisa do Datafolha sobre "perfil ideológico do brasileiro" não surpreendem. Dentro da chamada —erroneamente, ao meu ver— "pauta de costumes", a legalização das drogas está sempre entre as que angariam maior rejeição em pesquisas de opinião no Brasil. Há algumas explicações plausíveis, desde uma genérica constatação do nosso conservadorismo até a associação popular entre drogas e violência, tema de importância crescente nas últimas décadas.

Destaco, no entanto, uma outra perspectiva: a importância da formulação das perguntas. Havia duas alternativas sobre política de drogas no questionário, seguidas de suas respectivas justificativas: 1 - A defesa da proibição sustentada nas consequências sociais do uso; e 2 - A crítica da proibição justificada pelos danos restritos a quem decide usá-las. Para a demarcação do perfil ideológico dos entrevistados, a defesa da proibição contou pontos para a direita; sua crítica, para a esquerda.

Mesmo atuando nesse campo e sendo crítico da proibição, ficaria incomodado em optar pela resposta cuja redação contém uma justificativa equivocada. A defesa do direito ao uso de drogas por adultos não pressupõe um individualismo extremo que aparta essa ação de seus contextos e de suas consequências sociais. O argumento é, normalmente, o contrário: trazer as drogas para a legalidade seria a superação do pressuposto extremista do paradigma proibicionista, que definiu que o único papel do Estado diante dos danos associados ao uso de drogas era o de criminalizar e perseguir todas as etapas dessa prática.

Além disso, ainda que o direito de usar drogas seja parte importante da argumentação de diversas vertentes do campo antiproibicionista, ele não é o único e, internacionalmente, não tem sido o mais relevante. O fulcro do debate acadêmico e político, especialmente em países pobres, violentos e racistas como o Brasil, é a distribuição desigual das consequências do proibicionismo e de seu tentáculo bélico, a "guerra às drogas". Sob essa perspectiva, fica ainda mais estranho que as drogas sejam incluídas na "pauta de costumes" e que a defesa da proibição seja um posicionamento intrinsecamente de esquerda.

Política de drogas envolve necessariamente um debate sobre saúde e segurança pública, e a garantia do direito individual à alteração da consciência tem como uma de suas matrizes ideológicas a teoria liberal.

Que não se espere grandes impactos, caso haja reformulação de questões, nos resultados de futuras pesquisas de opinião. Mesmo que haja antecedentes —como o que ocorreu quando, nos EUA, se passou a perguntar não a respeito da proibição ou da legalização da maconha, mas sobre o apoio à regulação estatal do mercado dessa droga— sabemos que a defesa da proibição e a aversão à legalização de entorpecentes é amplamente majoritária no Brasil. No entanto, um debate de maior qualidade passa não apenas pelas respostas que são encontradas, mas pelas perguntas que são feitas.

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