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Ana Carolina Navarrete e Carlota Aquino

O rol de procedimentos de saúde da ANS deve ser taxativo? NÃO

Direito de receber remédio ou tratamento mais adequado está sob ameaça

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Ana Carolina Navarrete

Coordenadora do Programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

Carlota Aquino

Diretora-executiva do Idec

Depois do anúncio do mais alto reajuste em 22 anos (15,5%, individual e familiares), os 49 milhões de consumidores de planos de saúde têm pela frente uma nova ameaça: a possibilidade de ver reduzida a extensão das coberturas dos planos, um assunto consolidado há mais de dez de anos pelo Poder Judiciário em favor do consumidor e do SUS.

O risco está na continuação do julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), agendado para a próxima quarta-feira (8), que poderá estabelecer a perigosa interpretação de que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem caráter taxativo e não exemplificativo.

O rol, conforme consta na lei, é uma referência básica que prevê os tratamentos que todas as operadoras devem cobrir. Sendo exemplificativa (piso), a cobertura das operadoras pode ir além da lista, incluindo outros procedimentos, desde que prescritos pelo médico, com justificativa e eficácia comprovadas.

Esse era o entendimento consolidado até 2019, quando uma divergência foi introduzida no STJ sob a justificativa, fabricada, de desequilíbrio econômico no mercado. Do mesmo setor, é importante dizer, que foi um dos que mais lucraram durante a pandemia de Covid-19.

E, antes disso, já vinha bem. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2014 a 2018 o lucro dessas empresas mais que duplicou. E, segundo a própria ANS, de 2010 a 2020 as receitas saltaram de R$ 72,6 bilhões para R$ 217,5 bilhões. As despesas também cresceram, mas sempre abaixo. Tudo isso sob o entendimento da Justiça acerca do caráter exemplificativo do rol.

Mas se de um lado não há comprometimento da sustentabilidade das empresas, por outro há risco de desassistência para o consumidor. Caso o entendimento taxativo prevaleça, o direito de receber um medicamento ou tratamento mais adequado estará sob ameaça. Negativas de exame também estão em jogo. O risco maior é de consumidores que pagam caro por seus planos terem de arcar também com os tratamentos. Nem o SUS escapa, e o Conselho Nacional de Saúde já se pronunciou dizendo que o rol taxativo impactará o sistema público.

Associações de pacientes e personalidades ligadas a causas de pessoas com deficiências ou transtornos do espectro autista pressionaram publicamente ao relatarem como a mudança impactaria negativamente seus direitos. A grande repercussão fez o ministro Luis Felipe Salomão aditar seu voto do início do julgamento para conceder a cobertura pleiteada para autismo, sob o argumento de que as terapias em questão estavam contempladas no rol.

O movimento pareceu uma tentativa de retirar as terapias ligadas a esse transtorno do debate; sem sucesso, porque o que o rol prevê hoje para autistas também é limitado. Com o rol taxativo, novos procedimentos ou tratamentos seriam negados para todos. O problema não é da patologia A ou B, é da abrangência total do tenebroso rol taxativo.

Como bem pontuado pela ministra Nancy Andrighi em seu voto pelo rol exemplificativo, os juízes, com estudo e análise do contrato e das perícias, têm condições de avaliar se o tratamento de saúde é devido ou não. Considerar o rol taxativo é fechar portas e desconfiar da magistratura brasileira.

Um julgamento como esse, portanto, coloca o Poder Judiciário contra o Poder Judiciário em vez de avançar no debate sobre como esse poder deve garantir regras justas que protejam os usuários de planos de saúde diante do interesse das empresas. Esperamos que os ministros reconheçam seus papéis no "Tribunal da Cidadania".

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