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Zara Figueiredo Tripodi

Pinos de tomada, voto impresso e homeschooling

Qual será a fonte de recursos para o novo anacronismo de Bolsonaro?

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Zara Figueiredo Tripodi

Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto

Os quase quatro anos da atual gestão federal têm sido marcados por um expressivo retrocesso nas políticas públicas, dificilmente encontrado em outro momento da história brasileira. As fontes de preocupação do presidente Jair Bolsonaro (PL) oscilam entre a volta da tomada de dois pinos, o retorno do voto impresso e o ensino domiciliar, permitindo aquilatar, desse modo, a anacronia do mandatário do Planalto e de seus apoiadores no Congresso.

Nessa direção, a Câmara dos Deputados concluiu recentemente a aprovação do projeto de lei 3.179/2012, que dispõe sobre a admissibilidade da prática do homeschooling no país, alterando o artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

O texto aprovado prevê que os responsáveis legais e os sistemas de ensino cumpram um conjunto de normas, de modo a se implementar a nova "modalidade" educacional.

Famílias favoráveis ao ensino domiciliar acompanham na Câmara votação de projeto que regulamenta o modelo - Gabriela Biló - 17.mai.22/Folhapress

Algumas condicionalidades chamam a atenção pelas implicações que podem vir a ter caso o Senado não reformule o texto da Câmara ou até mesmo o reprove —para usar um termo conhecido da educação.

Assim, o PL 3.179/2012 prevê, por exemplo: 1 - o acompanhamento do desenvolvimento do estudante por docente tutor da instituição de ensino em que estiver matriculado; 2 - a realização de encontros semestrais com as famílias para intercâmbio de experiências e atividades pedagógicas que promovam a formação integral do aluno e contemplem seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural; 3 - a realização de avaliações anuais de aprendizagem; 4 - o envio de relatórios trimestrais de atividades realizadas pelo "estudante" à instituição de ensino em que estiver matriculado; 5 - o cumprimento dos conteúdos curriculares previstos na Base Nacional Comum Curricular; e
6 - comprovação de nível de instrução dos responsáveis, que devem ter cursado ensino superior ou educação profissional tecnológica.

Nota-se que os critérios que fundam a proposta implicam uma série de novas atribuições às escolas e sistemas de ensino, para além das atividades já previstas na legislação educacional dos entes subnacionais, pois caberá a eles, segundo o texto, a gestão da modalidade.

Elisa Flemer, estudante de ensino domiciliar que estudou em casa durante todo o ensino médio - Adriano Vizoni - 6.mai.21/Folhapress

Pois bem, sem entrar no conteúdo substancial da proposta, o que se interroga dos propositores é como isso será implementado. Todos esses elementos pressupõem alocação orçamentária, pois será necessário ter mais profissionais na educação para o exame do nível de instrução dos responsáveis, a utilização dos componentes curriculares da BNCC, a realização de encontros semanais com famílias e a implementação de atividades culturais integradoras para os optantes do ensino domiciliar. Em outros termos, qual será fonte de recurso para financiar o projeto?

Se a aprovação do homeschooling na Câmara pode ser considerada uma vitória do governo Bolsonaro, como resposta à sua base de apoio conservadora, do ponto de vista da capilaridade ela não parece ser capaz de ultrapassar as grades do "cercadinho" do presidente. Isso por uma razão simples. Em um país como o Brasil, com níveis desoladores de desigualdade, a escola é um equipamento social que cumpre funções de segurança alimentar, física e emocional. Portanto, não parece crível que as camadas populares, independentemente de qualquer coisa, optarão pela oferta de ensino domiciliar.

Por outro lado, do ponto de vista dos recursos educacionais, o PL poderá representar, a depender da atuação do Senado, a rarefação do ganho financeiro advindo com o Fundeb, com o qual se busca a garantia de alguma equidade entre as diferentes redes de ensino do país.

Ou seja, caberá à Câmara Alta frear o fetiche pelo anacronismo, não permitindo o comprometimento do futuro educacional dos estudantes em termos dos recursos educacionais. Em outras palavras, que a análise do Senado condicione a implementação da proposta à indicação de fonte de recurso complementar pelo governo federal, não subnacional; afinal, a Manutenção e Desenvolvimento de Ensino (MDE) refere-se a ensino público. Ou, então, que a instituição devolva o homeschooling para o limbo onde repousam em paz a tomada de dois pinos e o voto impresso.

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