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Adriano Candido Stringhini

Saneando o atraso secular no saneamento básico

Inovação que está por vir só fará sentido se houver uma inclusão radical

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Adriano Candido Stringhini

Mestre em direito pela USP, foi diretor de Gestão Corporativa da Sabesp e governador do Conselho Mundial da Água (2019-2022)

Nesta semana começou em Lisboa o Fórum Jurídico, um evento em parceria do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) com a Universidade de Lisboa, que abordará os assuntos mais relevantes para o fomento do desenvolvimento nacional e a mais que necessária retomada do crescimento com sustentabilidade e respeito ao social.

Várias são as mesas que focam na segurança jurídica como instrumento para promoção desse propósito. A urgente redução da miséria em nosso país, associada a não menos gritante necessidade de distribuição de renda, são condições "sine qua non" para a desejada e merecida paz social. Essa abordagem permeará muitas das mesas de debates.

Estamos honrados em termos sido convidados para palestrar na mesa sobre saneamento básico e saúde. Um assunto básico e essencial, mas que por séculos não chamou a atenção das populações e, por consequência, da mídia e dos políticos e governos.

Mas felizmente o cenário começa a mudar. Estudos das principais universidades do país atestam que, com o novo marco legal, os investimentos em saneamento saltaram e hoje superam inclusive os valores que são investidos em telecomunicações. É um alento por óbvio, mas, como o abismo é gigante, seriam necessários muitos anos para que cheguemos em níveis aceitáveis de civilidade.

O ponto que abordaremos no evento é o que fala da indústria do saneamento como uma plataforma capaz de, aliada à inovação, ajudar na redução desse abismo social.

Não há mais espaço para a visão míope e cartesiana que enxerga o setor apenas como resultado de abscissas e ordenadas carregadas de cimento. É um equívoco dizer que apenas as obras civis são importantes. São condições necessárias, mas não suficientes.

Claro, novas redes precisam ser assentadas. Mas ignorar o manancial de oportunidades que o setor oferece é acreditar que o mundo das variáveis constantes é verdadeiro. É tempo de aproveitarmos todos os custos de oportunidade que a indústria do saneamento oferece. Todo resíduo é, sim, uma fonte de energia que precisa ser aproveitada.

Não há como ignorar que o saneamento, como muitas outras indústrias, é um sistema e, como tal, as externalidades positivas precisam ser exploradas e rentabilizadas. É hora de se considerar que uma rede de esgotos, por exemplo, também é um importante canal para passagem de cabos de fibra ótica visando o 5G. Empresas de saneamento com milhões de clientes são também um grande "big data", e estes dados podem e devem ser usados para estimular o consumo responsável de água, mas também para gerar receitas para as concessionárias de modo a acelerar as obras de saneamento em favelas.

É tempo de entender que o futuro do saneamento será com estações de tratamento de esgotos compactas (como a que opera no Parque Tecnológico de São José dos Campos, em São Paulo) e que num futuro não muito distante a solução será toda "out of grid".

O cidadão irá dar a descarga, e água já tratada ali mesmo irá diretamente para sua caixa-d’água ou uma cisterna. Um reúso em economia cada vez mais circular, eficiente e consciente ("cradle to cradle"). Parece ficção? Basta assistir o capítulo 2 da série documental "O Código Bill Gates", disponível na Netflix, e ver as novidades patrocinadas pelo visionário e bilionário inventor do Windows.

Novas janelas se abrem a cada dia também no campo da energia. A produção de H2C, ou hidrogênio verde, usando a energia solar e a água nos mananciais já é realidade em muitos locais.

O lodo como fonte de energia e a produção de energia dentro das tubulações de água, aproveitando a gravidade e evitando arrebentados de adutoras e enormes perdas de água e energia, também são projetos em piloto em muitos países do mundo.

Mas a maior inovação que o novo marco do saneamento trouxe foi permitir redes de água e esgoto em favelas. Não há como dormirmos em paz enquanto milhares de crianças nas favelas, nas médias e grandes cidades, ainda pisam em esgotos, ficam doentes e morrem todos os dias. É preciso que os governos deixem de dar esmolas e tratem dessa questão como prioridade central.

Não há como aceitarmos, após a pandemia, que não estamos todos no mesmo barco. Cuidar do saneamento em favelas é a maior inovação que podemos ter no setor, pois se trata, ao final, de sanearmos nossa história como nação. Eliminar as mazelas de uma sociedade desigual e egoísta. Todas as inovações que estão por vir só farão sentido se tivermos uma inclusão radical.

Inovação somente é inovação se vier casada com inclusão. Rir e inovar sozinho não têm a menor graça. Assim, nas áreas do saneamento em favelas, chega de programinhas que rendem boas fotos e imagens para os programas eleitorais. Nomes bonitos, boas imagens, enquanto rostos tristes povoam hospitais.

Ou os políticos e governos —de verdade— escolhem isso como "a" prioridade, não como esmola, ou estaremos fadados a mais 200 anos de inovações que, de novo, concentram renda, perpetuam desigualdades e geram, quando muito, boas imagens para "santinhos" impressos ou digitais e virtuais, enquanto o mundo real é deixado às margens plácidas em berço não tão esplêndido.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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