Boris Johnson é vítima de sua própria personalidade. A rebelião partidária que forçou o premiê britânico a renunciar não se deveu à adoção de uma política pública fracassada ou a uma crise econômica, mas ao acúmulo de escândalos envolvendo a pessoa física do líder.
O mais danoso deles foi, sem dúvida, a revelação de que Johnson promoveu uma série de festas com membros de seu gabinete durante o lockdown, quando esse tipo de reunião estava proibido —e o premiê mentiu sobre esses encontros.
Um deles deu-se às vésperas do funeral do príncipe Philip, o que foi considerado desrespeitoso até para os padrões de bufão de Johnson.
De alguma forma, porém, ele vinha conseguindo sobreviver ao "partygate". A gota d’água, entretanto, foi o "Pinchergate" —a descoberta de que Johnson entregou cargo de confiança a Chris Pincher, sobre quem pesam acusações de assédio sexual, e mentiu ao dizer que não tinha conhecimento delas.
A partir daí, deflagrou-se a revolta conservadora, com importantes secretários de governo renunciando a seus postos e deixando o líder insustentavelmente isolado.
Curiosamente, os mesmos problemas de conduta que custaram seu emprego levaram Johnson a tal posição. Ele só se tornou premiê por causa do brexit, do qual foi apoiador de primeira hora. Não mediu esforços para promover a causa, o que incluiu fake news sobre os custos de o Reino Unido estar integrado à União Europeia.
Aliás, antes de entrar para a política, ainda como jornalista lotado em Bruxelas, Johnson já produzia um noticiário sensacionalista e enviesado contra o bloco.
Chegou ao poder em 2019, em substituição a Theresa May, que vinha encontrando dificuldades para negociar os termos de saída. Pouco depois de assumir, convocou eleições, que os conservadores venceram por larga margem.
Até hoje o país discute se essa foi uma vitória do incumbente ou uma derrota dos rivais trabalhistas, então sob a liderança de Jeremy Corbyn, mas o fato é que o resultado deu ao primeiro-ministro um claro mandato para negociar o divórcio com a UE —o que ele fez.
Muitas vezes, Johnson foi comparado a Donald Trump, Jair Bolsonaro (PL) e outros expoentes da mesma estirpe. A comparação só faz sentido até certo ponto.
O britânico se fantasiou de inimigo do establishment para impulsionar a carreira e nunca hesitou em mentir por seus objetivos. Mas, ao contrário de Trump e Bolsonaro, mantém vínculos com a realidade.
No início da pandemia, adotou uma posição negacionista. Ao ver a situação agravar-se e após contrair a doença, porém, soube rever a abordagem, promovendo lockdowns e acelerando a vacinação.
Sucumbiu ao sentimento, algo aristocrático, de que as regras que valiam para todos não se aplicavam a sua pessoa. Foi um erro capital.
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