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Espantalho argentino

Turbulência política e econômica se acentua no governo do esquerdista Fernández

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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e a vice, Cristina Kirchner - Matias Baglietto - 11.nov.21/Reuters

"Dólar paralelo" é uma aberração da qual só os brasileiros de mais idade —ou os que operam à margem da lei— devem se lembrar. Trata-se do resultado de restrições e cotações artificiais impostas pelo governo no mercado de câmbio, que forçam cidadãos que necessitam da moeda americana a buscá-la por meios clandestinos.

Transações paralelas em dólares ainda fazem parte do cotidiano na Argentina, o que dá ideia da desordem crônica da economia do país vizinho. E nelas o preço da divisa dos Estados Unidos disparou nesta semana, sinal do agravamento de uma crise que abala a Casa Rosada.

No sábado (2), Martín Guzmán, tido como um moderado no governo do esquerdista Alberto Fernández, renunciou ao Ministério da Economia. Era alvo de ataques da ala mais radical, liderada pela vice-presidente, Cristina Kirchner.

Chega a ser difícil fazer tais distinções ideológicas num país em que a inflação atingiu assustadores 60% nos últimos 12 meses —o quíntuplo da já elevada taxa do Brasil.

Guzmán não caiu devido à leniência com os preços, tanto que sua substituta, Silvina Batakis, é uma heterodoxa defensora da expansão de gastos públicos. O ex-ministro foi o articulador de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para a renegociação da dívida argentina, em troca de medidas de ajuste orçamentário.

Cristina Kirchner, que governou o país por oito anos, até o final de 2015, viveu momentos de bonança e, ao final, de deterioração econômica. Quanto à inflação, sua gestão ficou vergonhosamente celebrizada pela manipulação de índices, a ponto de as estatísticas oficiais terem sido desacreditadas.

A Argentina não dispõe de uma moeda digna da confiança de sua população, muito menos da comunidade internacional —daí a corrida permanente pelo dólar, da qual o próprio governo participa.

Numa versão agravada de mazelas brasileiras, não reúne consenso político para abandonar políticas populistas de intervenção estatal que desorganizam a economia e exaurem as contas públicas.

Num momento em que forças de esquerda voltam a ganhar protagonismo na América Latina, o país vizinho se candidata ao posto de novo espantalho a ser apresentado aos eleitores da região.

O governo Fernández já foi derrotado no pleito legislativo de novembro do ano passado, tendo perdido o controle do Senado, e deve enfrentar uma disputa presidencial duríssima em 2023.

Muitos dos problemas do país vêm de longa data e também afligiram a administração anterior, do liberal Mauricio Macri. O risco de que se radicalizem daqui em diante parece cada vez maior, como mostra a escalada do dólar paralelo.

editoriais@grupofolha.com.br

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