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Ailton Barcelos Fernandes

Fui expulso do meu plano de saúde

Cada reajuste despropositado é um réquiem à saúde do idoso. Alguém se importa?

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Ailton Barcelos Fernandes

Psicólogo, professor e ministro da Indústria, Comércio e Turismo no governo Itamar Franco (1993-1994)

Falo como segurado de um plano individual de saúde. Nesta condição, recebi um reajuste de mais de 100% aos 60 anos. Etarismo, ageísmo? Qual o fundamento objetivo da preconceituosa correção? O contrato? Eu adquiri um plano individual há 29 anos. E, hoje, sou idoso. Velho? Melhor não tê-lo.

Houve um reajuste negativo no período passado que foi decisão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar); redução de 8,1% face à diminuição das despesas das operadoras por causa da pandemia. Óbvio, o dinheiro jorrava nas empresas e as despesas dos planos de saúde se reduziram dramaticamente. Planos de saúde ganharam fábulas. Cardiologistas reputadíssimos ficaram às moscas, como todas as outras especialidades (sem exceção); os clientes, sem custos para a operadora, mas pagando os planos regiamente.

Os negócios brasileiros entraram em crise na pandemia, os planos de saúde não! Tiveram obesidade mórbida em seus caixas. A pandemia lhes fez bem. Ao idoso prescrevia-se reclusão no lar. As pessoas morriam em casa e não usavam planos de saúde. Fiquei dos 72 anos aos 74 confinado. Será que o tão propalado reajuste negativo de 8,1% não deveria ter sido de 15% ou 20% ou mais? É sabido que a desistência de segurados dos planos por inadimplência continua maciça, e a rentabilidade dos planos prospera. Oito milhões de segurados vivem dentro desse sistema individual familiar.

De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), na nota técnica "Desempenho do Mercado de Planos de Saúde (2014-2018)", "as empresas de planos de saúde faturaram R$ 192,1 bilhões em 2018. Em 2014, a receita do setor somou R$ 123,8 bilhões, havendo crescimento do valor no período, mesmo diante de uma queda de cerca de 3,3 milhões no número de usuários, que passou de 50,5 milhões, em 2014, para 47,2 milhões, em 2018. Nesse período, o lucro líquido per capita no mercado de planos de saúde mais que dobrou, considerada atualização para valores constantes de 2018, passando de R$ 75,7 em 2014 para R$ 185,8 em 2018. No mesmo sentido, o lucro líquido agregado desse mercado também mais que dobrou em termos reais no período —de R$ 3,825 bilhões para R$ 8,755 bilhões.

Enquanto isso, a taxa de sinistralidade —que é a razão entre as despesas assistenciais em relação à receita— caiu de 0,850 para 0,832, no mesmo período. "Considerando-se a queda da taxa de sinistralidade e o aumento da lucratividade, pode-se dizer que as operadoras de planos médico-hospitalares apresentaram resultados notáveis diante da estagnação da economia brasileira".

Eu sou um segurado aposentado que está sendo conduzido em algemas contratuais para a expulsão. A ANS utiliza para reajuste dois índices: o IVDA (Índice de Valor das Despesas Assistenciais) e o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), com os pesos de 80% e 20%, respectivamente. De que é constituído este índice IVDA? Discuto o conceito que expulsa velhos pelo suposto de que se tornam sinistralidade, sendo que pagaram para ter garantia de assistência e vivem em período de contração de ganhos.

Posso afirmar que os reajustes da ANS se inscrevem na minha lápide. Cada reajuste despropositado é um réquiem para a saúde do idoso. Alguém se importa? Os planos de saúde individuais e familiares ficaram até 15,5% mais caros, decidiu a ANS. Maior aumento em 22 anos.

Hamlet, no ato 1 da peça escrita por Shakespeare, que é o prenúncio de que algo tenebroso está à espreita criou a famosa frase: "Há algo de podre no reino da Dinamarca". Expulso do meu plano de saúde!

Eis o sentimento de um segurado aposentado que é programadamente defenestrado. Após três décadas, ficarei sem assistência médica. Meu plano de saúde age como Nosferatu, a ANS dá-lhe abrigo. O resto é silêncio —como disse Hamlet.


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