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O que a Folha pensa Rússia

Máscara no chão

Alguns sucessos militares e políticos fazem Rússia admitir objetivo de destruir a soberania da Ucrânia

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Comboio blindado russo passa pela região de Zaporíjia, ocupada pela Rússia, no sul da Ucrânia. - Alexander Ermotchenko - 23.jun.22/Reuters

A oscilação do arco narrativo russo acerca de sua campanha militar contra a Ucrânia segue fielmente o desempenho de suas tropas, no solo do vizinho desde 24 de fevereiro.

Assim que os primeiros mísseis caíram, Vladimir Putin declarou o objetivo de desnazificar e desmilitarizar o rival, além de evitar sua entrada em estruturas ocidentais como a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, e garantir a autonomia dos separatistas russófonos do Donbass, no leste ucraniano.

Da primeira missão ninguém mais fala, por fantasiosa. Sobre a segunda, pode-se argumentar que a Ucrânia esteja se militarizando mais rapidamente, apesar de a enxurrada de armas ocidentais parecer distante de deter os russos.

O sucesso de Putin é maior, contudo, na inviabilização do Estado ucraniano, como descrito nos dois últimos itens de sua pauta inicial.

A União Europeia pode até prometer uma vaga a Kiev, mas isso é ilusão: mesmo sem o conflito o país não reunia condições para ser aceito no bloco. Quanto a chegar à Otan, que luta por procuração, o caminho é ainda mais bloqueado por temores de ampliação da guerra.

Putin optou pelo cinismo. Agiu para derrubar o governo de Volodimir Zelenski numa tacada única, mas, ao fracassar militarmente por soberba tática, negou buscar isso. Descartou querer ganhos territoriais, apesar de ter anexado a Crimeia em 2014 e fomentado a guerra civil no Donbass, que incubou a tragédia ora em curso.

Agora, a máscara caiu. Em duas falas, o chanceler russo entregou o jogo. Segundo Serguei Lavrov, um dos decanos da diplomacia mundial, a Rússia não se contentará com o Donbass.

Quer o sul ucraniano, a saber se o território que já ocupa ou toda a costa até o enclave que mantém na Moldova, e tem por meta livrar os ucranianos do "fardo desse regime absolutamente inaceitável". Ou seja, destruir a soberania do país.

A candura de Lavrov acompanha a mudança de ventos da guerra. A pressão sobre a Europa com o fechamento de torneiras de gás russo e racionamentos programados só fará aumentar a instabilidade dos governos ante o fastio com a crise.

No campo de batalha, ganhos lentos, mas firmes, sugerem a consolidação da posição militar russa, mais sóbria agora. Reveses poderão fazer Putin buscar remendar as fantasias rasgadas, o que será inócuo tanto para adversários céticos como para aliados que já não se importam com o estado delas.

editoriais@grupofolha.com.br

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