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Fernando Cássio

Organizações sociais devem gerir escolas públicas? NÃO

Sopa de osso para estudante pobre

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Fernando Cássio

Educador, doutor em ciências (USP) e professor da UFABC, integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Uma aberração. Essa é a melhor forma de descrever o projeto de lei 573/2021, que pretende autorizar organizações sociais (OSs) a assumirem a gestão de escolas municipais em São Paulo. De autoria da vereadora Cris Monteiro (Novo), o PL não se baseia em fatos nem em evidências; tampouco em qualquer experiência prévia da proponente com gestão educacional. Mas nem por isso moderou a simpatia dos que diuturnamente se dedicam a exaltar a superioridade do privado sobre o público em todas as esferas da vida.

Esse adesismo instantâneo pode ser encontrado no editorial da Folha de 23/6, que defende a OSsificação como "opção no ensino". Para este jornal, "introduzir um pouco de diversidade no ecossistema" é gesto meritório, já que o absenteísmo docente no setor público não encontra paralelos no setor privado, que —adivinhem— é muito mais ágil etc. etc. etc.

A agilidade da gestão privada, contudo, já dá o ar da graça há um bom tempo nas redes públicas de grande porte do país, que contam com a prestimosa ajuda de fundações e institutos empresariais para "melhorar" a gestão das escolas. Portanto, o ônus por qualquer fracasso da educação pública deve ser repartido com os arautos da eficiência gestionária.

Apesar de reconhecer riscos relacionados à corrupção e à potencial falta de qualidade dos serviços prestados por OSs, alguns detalhes do PL passaram despercebidos pela Folha.

O primeiro é que o modelo proposto assume que as OSs terão liberdade total para elaborar os projetos político-pedagógicos das escolas, o que viola o art. 14 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que prevê a existência de conselhos escolares e a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico.

A EMEF Remo Rinaldi Naddeo, na zona oeste de São Paulo - Danilo Verpa-7.fev.2022/Folhapress

Em segundo lugar, não se sabe de onde virão os recursos para o pagamento das OSs, já que as regras de distribuição do Fundeb não permitem repasses dessa natureza. Em 2020, o Partido Novo tentou incluir uma emenda na lei que regulamentou o Fundeb visando permitir transferências de até 10% dos valores do fundo a escolas privadas. Foi derrotado.

Terceiro, a comparação entre a OSsificação de escolas e o conveniamento de creches municipais é imprópria. A legislação só prevê o conveniamento em situações de insuficiência de vagas públicas, o que não é o caso das escolas-alvo do PL 573. E, se faz diferença dizer, sucessivas auditorias do Tribunal de Contas do Município de São Paulo vêm mostrando que a qualidade das creches conveniadas é muito pior que a das geridas pela prefeitura.

O PL propõe que a gestão escolar por OSs seja destinada a bairros "com menores indicadores de Desenvolvimento Humano e com menores níveis de avaliação escolar" (art. 4º). Ou seja, mesmo sabendo que baixos indicadores educacionais estão diretamente relacionados à pobreza, a vereadora afirma —e o editorial da Folha não discorda— que privatizar a gestão das escolas dos mais pobres melhorará o rendimento dos estudantes. Ao que parece, tudo se resume a gerir melhor a miséria em vez de aumentar o investimento público para atender quem mais necessita.

A OSsificação escolar só é "opção" para quem não precisa da escola pública e ocupa os estratos superiores do "ecossistema" social. Ironicamente, os que defendem que a prefeitura de São Paulo sirva o equivalente educacional a sopa de osso para estudantes pobres são os mesmos que, de tempos em tempos, escrevem textos esconjurando as desigualdades educacionais do país. E —é claro— atribuem a culpa pelos problemas da escola pública ao fato de ela ser pública.


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