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Ieda Jatene

A Anvisa acertou ao proibir o cigarro eletrônico no Brasil? SIM

Fake news vendem ilusão de terapia e estimulam o avanço de adeptos

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Ieda Jatene

Cardiologista, é especialista em cardiopatias congênitas e cardiologia pediátrica e presidente da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo)

Foi com muita satisfação que nós da comunidade médica e da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), em particular, recebemos o recente parecer da Anvisa sobre a continuidade da proibição dos cigarros eletrônicos no país, o que inclui a comercialização, a importação e a propaganda desses dispositivos que, comprovadamente, fazem mal ao corpo.

Como bem disse a também cardiologista Jaqueline Scholz, uma das mais competentes especialistas em tratamento do tabagismo do país, se meu pai, o ex-ministro da Saúde Adib Jatene, estivesse vivo também aplaudiria a decisão acertada da agência.

E não é para menos: de acordo com levantamento da própria Jaqueline Scholz, a taxa de nicotina no organismo de jovens consumidores dos eletrônicos, com idade entre 16 e 24 anos, equivale a mais de 20 cigarros por dia. Uma pesquisa deste ano apontou que, em média, 1 a cada 5 brasileiros entre 18 e 24 anos já fumou pelo menos uma vez, o que pode explicar o fato de que 70% dos usuários estejam dentro dessa faixa etária.

Os três principais ingredientes dos "vapes", como também são conhecidos, são o propilenoglicol, que trabalha como veículo, diluindo e levando a nicotina pelo organismo; a própria nicotina, responsável pela dependência e pela sensação momentânea de bem-estar; e as substâncias aromáticas, que facilitam a socialização dos eletrônicos e dão um certo ar inocente ao vício.

O número crescente de adeptos se deve ao estímulo das fake news, que retratam os cigarros eletrônicos como menos prejudiciais à saúde do que os convencionais. Ou pior: vendem a ilusão de que se trata de uma espécie de terapia que ajuda tabagistas a deixar de fumar. Mas os "vapes", na verdade, chegam a causar dependência em menos tempo. É o caso dos modelos que utilizam o sal de nicotina ("pods").

E o cérebro é só mais um "órgão-vítima" do tabagismo em geral (eletrônicos ou não), que tem como um dos primeiros alvos o coração, além dos pulmões. O coração está no topo desse ranking porque a nicotina também modifica o sistema cardiovascular, uma vez que promove a liberação de adrenalina, responsável por acelerar os batimentos cardíacos, aumentando o consumo de oxigênio e elevando a pressão arterial.

A consequência são danos nas paredes das artérias, que favorecem aterosclerose, doença que habilita ao infarto e à morte súbita. Já os eletrônicos saem na frente quando o assunto é emissão de nanopartículas, que são responsáveis pela asma e também por infarto e AVC.

Os males causados pelo tabaco são conhecidos, enquanto os argumentos sobre os "vapes" serem menos nocivos por não funcionarem à combustão e não produzirem fumaça ainda não possuem nenhuma comprovação de segurança —além de potencialmente provocarem outros males ainda desconhecidos.
Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo, liberaram os "vapes" afirmando, inclusive, que estariam contribuindo para diminuir o número de tabagistas convencionais. O que se observa nesses países, porém, é a explosão de consumo de novos usuários fumantes e a elevação da mortalidade cardiovascular em faixas etárias mais jovens.

Por essas e outras não há justificativa que sustente a aceitação legal dos cigarros eletrônicos. Ao contrário, devemos unir esforços —sociedade civil e poder público— para banir o tabaco sob qualquer forma de apresentação em prol de uma vida mais respirável e na defesa da histórica conquista do Brasil em redução de tabagistas nas últimas décadas. Precisamos seguir nesse caminho.

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