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É mais complicado do que isso, Demétrio

Brasil deveria trabalhar pelo multilateralismo, não para aprofundar divisões internacionais

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As reações iniciais sobre a invasão russa na Ucrânia foram marcadas pela intensa oposição entre duas interpretações. Hoje prevalece uma perspectiva mais equilibrada, ao contrário do que Demétrio Magnoli sugere em sua coluna na Folha.

O papel do expansionismo da Otan na escalada regional foi reafirmado nos últimos meses com o início do processo de adesão da Finlândia e da Suécia e as investidas militares no Indo-Pacífico. Do outro lado, a deriva nacionalista do regime de Vladimir Putin também emergiu como fator determinante.

A invasão já foi condenada diversas vezes por Lula. Está claro, no entanto, que o conflito é multicausal, e o entendimento dessa complexidade é essencial para contribuir com sua resolução.

Edifício na cidade de Irpin destruído durante os combates entre as tropas ucranianas e russas no final de março de 2022
Edifício na cidade de Irpin destruído durante os combates entre as tropas ucranianas e russas no final de março de 2022 - Andre Liohn

É nesse campo que o texto do colunista encontra os seus limites. Os governos europeus reconhecem publicamente ter sido um erro estratégico dar como natural a adesão do sul global à posição ocidental.

Era previsível que a série de sanções à Rússia, determinada pelos governos dos EUA e da Europa Ocidental, não atingiria o objetivo de acabar com a guerra e afetaria principalmente populações vulneráveis, tanto da própria Europa quanto do resto do mundo.

Outros questionam a pertinência da solidariedade com um bloco que os abandonou durante a pandemia. O presidente da França, Emmanuel Macron, seguindo outros líderes europeus, passou a última semana circulando pela África, dando um sinal claro de que busca correr atrás do tempo perdido.

Num contexto em que as divisões do sul global parecem consolidadas, potências emergentes, como o Brasil, podem contribuir mais trabalhando pelo multilateralismo do que participando na fragmentação da comunidade internacional. Essa posição é ilustrada pelo papel da Turquia na liberação da circulação de grãos no mar Negro.

Na realidade, Magnoli está sendo até mais purista do que aqueles que estão morrendo na frente de combate. Por trás da propaganda, Volodimir Zelenski, presidente ucraniano, sabe que seus tanques dificilmente conseguirão retomar Crimeia e o controle total sobre Donbass, mas que a sobrevivência de Kiev será um abalo para a visão do mundo de Putin.

O acordo de Ankara começou com uma série de concessões da sua parte, que incluíam mudanças na administração dos territórios que a Rússia pretende ocupar.

O impacto da guerra na Ucrânia pode ser medido em três tempos. No tempo longo, a Rússia, incapaz de substituir as importações industriais e tecnológicas ocidentais depois do bloqueio geoeconômico das sanções, vai desenvolver relação cada vez mais assimétrica com a China.

No tempo médio, o possível regresso de um isolacionista à Presidência dos Estados Unidos pode deixar a Europa vulnerável às investidas militares russas e provocar uma reviravolta na disputa pelo comando militar da Eurásia.

Por fim, no tempo curto, a difícil transição da União Europeia, além do arranjo geoenergético com a Rússia, e o acirramento do conflito distributivo no continente criam um ambiente político incerto, ilustrado pela queda do governo Draghi, na Itália.

Sob qualquer governo democrático, o Brasil só resistirá a essas transformações, e honrará a sua diplomacia contribuindo para a paz, se explorar as oportunidades da era das hegemonias parciais para consolidar a sua autonomia e sua soberania.

A política externa deve buscar oportunidades que ofereçam uma nova inserção internacional e a redução das desigualdades sociais domésticas, sem alinhamentos automáticos com grandes potências.

Gilberto Maringoni, Ana Tereza Marra, Giorgio Romano Schutte, Tatiana Berringer e Mathias Alencastro são professores de relações internacionais da Universidade Federal do ABC e coordenadores do Observatório de Política Externa Brasileira e Inserção Internacional do Brasil (Opeb)


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