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Flávio Conrado

Os evangélicos e o golpismo de Bolsonaro

Parte das lideranças se vê como braço espiritual de uma guerra cultural

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Flávio Conrado

Doutor em antropologia com pós-doutorado pela Universidade de Montreal, é assessor de campanhas de comunicação e mobilização social na Casa Galileia

A fragilidade de nossas instituições democráticas fica escancarada com a escalada golpista empreendida às claras por Jair Bolsonaro (PL) à medida que cresce a possibilidade de sua derrota em outubro.

Jair Bolsonaro e seu clã não são os únicos responsáveis por esse plano de desestabilização política sem precedentes em nossa história recente. Conforme analistas apontam, militares, forças políticas de direita e de centro, setores da mídia e grupos de empresários, radicalizados ou omissos, todos têm sua parcela de culpa no processo de esgarçamento do tecido sociopolítico, com danos significativos às políticas públicas, à cultura política e às relações interpessoais.

É mister trazer à tona o papel das lideranças evangélicas nessa escalada autoritária. Os líderes evangélicos que ajudaram a eleger e governam com o "mito" se veem como o braço espiritual de uma "guerra cultural" travada pelo bolsonarismo no Brasil. Há um recrudescimento de um tipo de patriotismo assentado sobre quatro linhas: Deus, família, pátria e liberdade. Este já se revelou monstruoso em outros momentos históricos, por se assentar num projeto de "supremacia cristã", doutrina importada de congêneres evangélicos brancos dos EUA.

Ao insistir em estabelecer sua "cosmovisão cristã" como influência cultural, ética e legal sobre o Estado, a cultura e a sociedade brasileiras, essas lideranças forjaram uma teologia dominionista, convergindo doutrinariamente com a teologia neopentecostal da "guerra espiritual" contra supostos "inimigos da fé".

Tais inimigos são hierarquizados de acordo com a sua relevância histórica, tais como o comunismo, a ideologia de gênero, o feminismo, o movimento LGBTQIA+, as forças progressistas etc.

Para forjar a dita "aliança do bem contra o mal", a lista de suas cumplicidades "terrivelmente evangélicas" com o projeto da extrema direita é extensa e já bem conhecida, envolvendo pastores e pastoras em diferentes ministérios, notadamente no da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no da Educação e no da Justiça, além da inserção em instituições centrais para a democracia, como o Supremo Tribunal Federal.

Tal inserção tem levado muitas lideranças evangélicas a estar agora na defesa de um segundo mandato de Jair Bolsonaro e a conspirar com seu grupo de extremistas nos ataques ao STF, ao Tribunal Superior Eleitoral e aos valores democráticos. Dizendo-se a favor da democracia, da liberdade de expressão e da independência entre os Poderes, defendem ativamente o golpismo que destrói esses mesmos fundamentos. Demonstram que sua lealdade não é a Deus, à pátria, à família ou à liberdade, mas a Bolsonaro e às suas diatribes autoritárias.

A sociedade e as instituições evangélicas autenticamente comprometidas com a democracia têm o dever de cobrar tais lideranças por traírem os valores de uma fé outrora comprometida com a democracia, a laicidade e os direitos humanos. É urgente salvar o Brasil da sanha de tais evangélicos e demais segmentos autoritários que, mobilizados por Bolsonaro, querem tomar o país de assalto em prol de interesses mesquinhos contra o que restou do combalido Estado democrático de Direito.

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