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Ricardo C. Pérez Manrique

Respostas à crise

Caminho passa por mais democracia, desenvolvimento sustentável e direitos humanos

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Ricardo C. Pérez Manrique

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos

​Por ocasião da visita da Corte Interamericana de Direitos Humanos a Brasília para celebrar seu 150° Período de Sessões, cabe perguntar-se o que significa para os brasileiros e para as brasileiras fazer parte do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos iniciou suas funções em 1978. No mundo da Guerra Fria, onde, na América Latina, prevaleciam os autoritarismos e as ditaduras, fomos nós, americanos e americanas, que idealizamos este sistema para combater a barbárie.

Passaram-se 30 anos desde que, em 9 de julho de 1992, o Estado brasileiro decidiu soberanamente fazer parte da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, um tribunal internacional com sede em San José da Costa Rica, cuja jurisdição abrange 20 países, incluindo o Brasil. A partir desse momento se abriu o horizonte do acesso à justiça interamericana de brasileiros e brasileiras.

Hoje, várias décadas depois, a globalização, as novas tecnologias, a migração e a distribuição desigual de bens e serviços são alguns dos fatores que tornam as respostas jurídicas nacionais limitadas.

A integração e as soluções holísticas transfronteiriças são fundamentais, e é por isso que os tribunais internacionais cobram maior relevância na consolidação da democracia no âmbito do Estado de Direito.

Vivemos tempos complexos e difíceis. A pandemia de Covid-19 não só trouxe sofrimento a milhões de pessoas em todo o mundo, como também revelou as fragilidades persistentes e as profundas fissuras sociais e econômicas das nossas sociedades.

A guerra da Ucrânia, juntamente com as crises migratórias, ambientais e econômicas, que vivem no mundo e afetam a região, torna mais relevante o papel de nossas instituições democráticas. Encontramo-nos num momento de inflexão; o medo e a insegurança põem em xeque o Estado de Direito e procuram fazer fracassar o multilateralismo enquanto expressão do trabalho conjunto e da solidariedade entre os povos. É necessário tomar as rédeas do nosso destino e, em vez de assistir com apatia aos acontecimentos que se sucedem, devemos criar e impulsionar um novo sentimento de solidariedade e de união fazendo prevalecer os três "dês": mais democracia, mais desenvolvimento sustentável e mais direitos humanos.

Falemos primeiro de democracia. Na América, o princípio democrático se encontra consagrado na Carta da OEA, foi desenvolvido na Carta Democrática Interamericana de 2001 e na jurisprudência da Corte Interamericana, as quais estabelecem que o regime político a que devem visar todos os Estados americanos é o da democracia representativa e assinalam como elementos essenciais ao respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, a realização de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal, na separação e na independência dos Poderes públicos.

Sem a separação de Poderes, então, não há verdadeira democracia. A independência judicial nesta linha é fundamental. Os juízes e as juízas têm um papel essencial no jogo democrático, porque são os guardiães do Estado de Direito e, como tantas vezes aconteceu, os últimos alicerces da Justiça e que, na prática, tornam verdadeiramente efetivos os direitos humanos.

Destaco especialmente o papel fundamental que no Estado democrático de Direito tem o acesso à Justiça, o qual exige que, além das vulnerabilidades, o serviço de Justiça seja acessível a todas as pessoas.

O segundo grande pilar da tríade é o desenvolvimento sustentável. Encontramo-nos num momento da história em que o aquecimento global é uma realidade que atenta contra a nossa integridade e em que populações inteiras têm de se deslocar em função dele. Acrescentemos a essse cenário a pobreza e a desigualdade latentes que foram aumentadas durante a pandemia. No entanto, o caminho para sair dessas crises existe. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável foi planejada para abordar as mesmas fragilidades e deficiências que a pandemia evidenciou. No fundo, há uma promessa que interpela o presente: pôr fim à pobreza e não deixar ninguém para trás. Os mais vulneráveis têm direito a que institucionalmente dediquemos todos os nossos esforços e nossas energias.

Em terceiro lugar, devo reafirmar que, em tempos de crise, são necessários mais direitos humanos. Os níveis de violência e os retrocessos nos direitos laborais das mulheres, os trabalhadores que deixaram as suas fontes de emprego e, por consequência, veem em risco à sua própria sobrevivência, ou os meninos e meninas que não puderam continuar na escola, são apenas alguns exemplos.

Destaco a situação especial de outros grupos vulneráveis, como os povos indígenas ou tribais. Por sua vez, essa crise afeta-nos a todos através da inflação, da falta de abastecimento e da possível recessão econômica mundial. No entanto, a resposta a essas crises não pode ser cristalizar os retrocessos nos direitos humanos das pessoas, nem tornar a erosão democrática um parâmetro. Voltemos a colocar os direitos humanos à frente.

Juntos, temos que fazer desta crise uma oportunidade de transformação. Transformemos um momento de angústia e incerteza num momento de esperança e paz. O caminho está traçado: mais democracia no quadro do Estado de Direito, mais desenvolvimento sustentável e mais direitos humanos.

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