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O que a Folha pensa aborto

Cartilha enviesada

Documento da Saúde sobre aborto deveria ter foco no que diz a literatura médica

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Ministério da Saúde, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

São consideráveis os equívocos do novo documento do Ministério da Saúde sobre a assistência em casos de aborto. Mais uma vez, a pasta optou por encampar a retórica de grupos conservadores contrários ao procedimento, em vez de fornecer informação baseada apenas em ciência e saúde pública, como se espera de um órgão técnico.

Em sua primeira versão, divulgada em junho, o texto contrariava até a lei, ao afirmar que "todo aborto é crime". Como se sabe, a prática é autorizada no país em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e em caso de feto anencefálico.

Em reação a essa e outras afirmações incorretas ou deturpadas, entidades ligadas à saúde e aos direitos das mulheres acionaram o Supremo Tribunal Federal para que a cartilha fosse revogada.

Diante da pressão, o ministério promoveu audiência pública para discutir o texto —mas o encontro acabou servindo apenas para corroborar a posição governamental.

Ainda que o texto tenha sido, por fim, alterado, a nova versão, publicada no site da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, mantém informações distorcidas.

A emenda, em alguns pontos, ficou pior que o soneto —como no trecho que aborda os perigos da gravidez na adolescência.

Sem apresentar nenhuma evidência técnica, a cartilha alega que são inconsistentes os estudos que assinalam os riscos de vida de gestantes com menos de 15 anos, os quais não seriam necessariamente agravados pela pouca idade.

Grande parte dos obstetras, contudo, afirma que a gravidez na adolescência é sempre de alto risco, seja para a gestante, seja para o feto.

A nova versão da cartilha oficial vem a lume na esteira de dois episódios chocantes, nos quais meninas de 11 anos foram estupradas e engravidaram, uma em Santa Catarina e outra no Piauí.

O primeiro gerou polêmica devido ao comportamento da juíza e da promotora do caso, ambas desencorajando o aborto —permitido pela legislação, reitere-se. O procedimento só foi realizado após intervenção do Ministério Público.

Embora esta Folha há muito defenda a descriminalização e o debate sob a ótica da saúde pública, não há dúvida de que seja legítima a oposição baseada em argumentos morais ou religiosos.

Inadmissível é a instrumentalização de tais razões para negar o acesso a um direito ou balizar os serviços do Ministério da Saúde.

editoriais@grupofolha.com.br

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