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Alice Pataxó, Samela Sateré Mawé e Txai Suruí

Guardiões digitais das florestas

Com drones e celulares, juventude indígena renova luta ambiental histórica

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Alice Pataxó

Liderança indígena, ativista pelo clima e jornalista

Samela Sateré Mawé

Indígena do povo Sateré Mawé, bióloga e ativista ambiental. É assessora de comunicação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga)

Txai Suruí

Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental - Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, produtora-executiva do filme "O Território" e colunista da Folha

A nossa geração é herdeira de uma luta milenar iniciada com nossos antepassados. Ouvimos histórias dos mais velhos sobre como era a realidade dos povos nos seus tempos, escutamos relatos de guerras, acordos, massacres, violências e violações.

Como eles lutaram no passado? Quais eram suas ferramentas? Não existia diálogo. Não nos sobrava alternativa senão enfrentarmos com nossos arcos e flechas a invasão das nossas terras e o genocídio dos nossos no passado. Anos mais tarde, a luta se tornaria diferente, com novas armas: papéis e canetas.

Fator importante para, em 1987, iniciar uma nova batalha: sermos ouvidos na Assembleia Constituinte e conquistarmos o direito à demarcação e ao usufruto dos territórios. Uma batalha que perdura até hoje.

A guerra continuou, mas seguimos mudando a nossa forma de lutar. Tecnologia, celulares, câmeras e computadores são nossas armas da contemporaneidade, que nos ajudam na defesa do território enquanto guardiões. Drones sobrevoam e procuram focos de desmatamento e invasões nas terras indígenas; câmeras fotografam e gravam as denúncias e os desejos dos anciões; celulares mostram a beleza e a riqueza cultural dos nossos povos enquanto desconstroem vários estereótipos. Notícias que transpassam o chão das aldeias e atravessam os oceanos são a nova forma de lutar da juventude indígena. Orientados pelos líderes indígenas e com a bênção dos anciões, nos tornamos guerreiros digitais na defesa dos biomas.

É neste espaço que a tecnologia chega como esperança, conectando o planeta para um chamado para a ação. É assim que o documentário "O Território" —coproduzido pelo povo Uru-Eu-Wau-Wau, com estreia na quinta-feira (8) e com sessões antecipadas em 15 cidades brasileiras nesta segunda (5), em homenagem ao Dia da Amazônia— foi premiado em alguns dos festivais de cinema mais importantes do mundo. O filme vem ultrapassando fronteiras e mostra através do olhar dos povos originários a realidade das terras indígenas do Brasil, criando debates internacionais sobre a importância da Amazônia e dos seus povos no combate à crise climática.

Utilizamos o audiovisual e a tecnologia para denunciar, desconstruir e decolonizar, protagonizando e indo contra todos os estereótipos, paradigmas e preconceitos aí postos.

Essas novas ferramentas abraçam gerações de povos que por muito tempo foram silenciados, esquecidos nessa tentativa de sufocar os grandes poderes da floresta. E de calar grandes pensadores, que com suas pinturas não se encaixavam nessa ideia preconceituosa de sabedoria e contribuição com o futuro do mundo; um mundo que muito tentou dizimar tais civilizações dentro do coração brasileiro (seus biomas).

A luta, porém, ainda está longe do fim, e os guerreiros digitais ainda vivem a violência, o preconceito, o desrespeito e as ameaças, nas redes e fora delas, na corrida política, na proteção de seus territórios, de modos diferentes, mas longe de uma utopia, em um país onde a fake news se espalha e violenta de indígenas a indigenistas —que, em resposta, apontam suas câmeras e desvendam os olhares colonizados, rumo à verdade que habita e defende as florestas.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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