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Não à Carta

Eleitor do Chile rejeita proposta de Constituição com mudanças amplas em demasia

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Chilenos que votaram contra a nova proposta de Constituição celebram em Santiago depois da apuração - Claudio Reyes/AFP

À primeira vista, a ampla rejeição popular à proposta de nova Constituição no Chile parece um desfecho amargo para um processo que consumiu enorme energia política ao longo de três anos. Todavia é possível que os chilenos, donos da maior renda per capita da vizinhança, tenham se livrado de atribulações mais graves a longo prazo.

A saga teve início na onda de protestos populares de 2019 —que, a exemplo do que ocorrera no Brasil seis anos antes, levaram às ruas uma insatisfação clara, direcionada ao governo do direitista Sebastián Piñera, e demandas difusas.

Em resposta, as forças partidárias do país aceitaram propor uma assembleia destinada a produzir uma nova Carta, substituindo a herdada dos tempos da ditadura militar. Naquele contexto, o colegiado eleito para a tarefa mostrou acentuada propensão à esquerda.

Da mesma forma, o pleito presidencial de 2021 teve como vitorioso o jovem esquerdista Gabriel Boric, então com 35 anos, oriundo de movimentos estudantis. Rompia-se ali a preferência por nomes moderados que marcava três décadas de redemocratização no país.

Os humores chilenos mudaram mais uma vez, no entanto. Agora, é o governo de Boric que se desgasta com as dificuldades econômicas pós-pandemia, em particular a escalada global da inflação. A nova Constituição se tornou mais vulnerável a ataques ideológicos —e, como não faltaria nos tempos atuais, campanhas de fake news.

O longo texto apresentado aos eleitores é, de fato, problemático. Pretende-se com ele revirar o ordenamento político, econômico e social do país, de normas eleitorais ao aborto, de gastos do governo aos direitos de indígenas, além de ambiciosas normas ambientais. Reviravolta tão ampla é difícil de explicar, defender e executar.

O Chile democrático é um caso de sucesso econômico, embora seus serviços públicos deixem a desejar. Na OCDE, entidade que reúne os países mais desenvolvidos, apresenta um dos melhores desempenhos fiscais, mas ao mesmo tempo a menor despesa em proteção social. Seu sistema previdenciário também é motivo de grande insatisfação entre os usuários.

Há boa margem para expandir os programas de seguridade sem sacrificar o equilíbrio orçamentário nem elevar em demasia a carga tributária. Esse pode ser o foco de um debate constitucional a ser retomado no país —e um tema já espinhoso o bastante.

Tido como derrotado na consulta popular, Boric fez o certo ao aceitar com serenidade o resultado das urnas. Há pela frente negociações complexas e desgastantes, mas próprias da democracia, num Chile que tem erros a corrigir e avanços a preservar.

editoriais@grupofolha.com.br

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