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Raul Cutait e Carlos Del Nero

Formar bons médicos é respeitar a população

Abertura quase indiscriminada de faculdades pode comprometer atendimento

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Raul Cutait

Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, membro da Academia Nacional de Medicina e presidente do Conselho da Iniciativa Saúde

Carlos Del Nero

Consultor de saúde e diretor executivo da Iniciativa Saúde

Como dizia o saudoso dr. Adib Jatene, o médico, para exercer seu ofício, precisa gostar de gente. Para ser um bom profissional, porém, é necessário desenvolver uma série de competências, que incluem um enorme volume de conhecimentos, experiências, bom senso, humildade, dedicação e um fundamental espírito humanista. Muita coisa? Sem dúvida, mas para quem quer cuidar dos outros, a vida passa a ser um exercício constante na busca de ser cada dia mais competente no que faz e, por que não, uma pessoa melhor.

O médico começa sua formação na graduação, desenvolvendo-a durante a residência médica e aprimorando-a no decorrer da vida profissional. E aqui começa nossa indignação e preocupação com o que vem acontecendo. Com o legítimo objetivo de se formar médicos para atender toda a população brasileira, foram dadas condições legais para a abertura quase que indiscriminada de escolas médicas país afora. Assim, nos últimos 12 anos, passamos de cerca de 200 faculdades de medicina para mais de 380 em funcionamento ou já autorizadas, gerando quase 40 mil vagas —mais que o dobro de dez anos atrás.

Questões inquietantes:

1 - Formação graduada: é previsível que será prejudicada pelo fato de não haver no país professores qualificados em número suficiente para todas, tanto para ensinar conhecimentos como para servir de modelos de comportamento para seus alunos. Mais ainda, é inconsistente a premissa de que hospitais do SUS servem para ensino, uma vez que hospitais de atendimento e de ensino têm dinâmicas diversas;

2) Residência médica: de difícil estruturação, não está disponível para mais de 30% dos formandos, situação essa que só irá se agravar em futuro próximo;

3) Necessidade de médicos no país: é muito difícil definir o número apropriado, tanto de generalistas quanto de especialistas, em decorrência de sua má distribuição Brasil afora —algo que também é observado em outros países, onde regiões mais inóspitas não atraem jovens médicos. Mais ainda, estes não priorizam os locais onde se formam, mas sim os locais de trabalho e sua vida familiar;

4) Frustração dos novos médicos: em um futuro próximo, teremos milhares de jovens que não conseguirão ser absorvidos pelo mercado de trabalho e que terão de procurar outras atividades, deixando de lado seus sonhos profissionais e desperdiçando o que gastaram para sua formação.

Fachada do prédio da Faculdade de Medicina da USP, na capital paulista, fundada em 1912 - Eduardo Anizelli - 21.set.2011/Folhapress

Assim, na semana do Dia do Médico, devemos fazer uma profunda reflexão. Sob o escudo de maior acesso da população ao sistema de saúde, oculta-se a verdadeira batalha, que é a da qualidade dos médicos que um dia poderão atender a nós e a nossos filhos. Urge uma ampla reavaliação do ensino médico, criando-se barreiras para que somente boas faculdades possam funcionar, tanto as atuais quanto as futuras.

Os caminhos para isso são claros e bem aceitos pela comunidade acadêmica: 1 - exame de progresso ao longo do curso e exame de proficiência ao término do curso; 2 - avaliação interna e externa das faculdades de medicina, com credenciamento renovável; e 3 - avaliação interna e externa de hospitais e demais unidades de saúde envolvidos com treinamento, com credenciamento renovável.

Sem essas definições e como fazê-las, torna-se claro que caminhamos, em poucos anos, para uma situação de insegurança e vulnerabilidade que irá atingir a população como um todo.

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