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Marcio Cunha Filho e Gregory Michener

O 'sigilo de 100 anos' e os reais desafios para superá-lo

Revogação não é possível por decreto, apenas por processo administrativo

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Marcio Cunha Filho

Professor do IDP-DF e auditor federal da Controladoria-Geral da União

Gregory Michener

Professor da FGV-Ebape e fundador do Programa de Transparência Pública

O sigilo governamental tem um longo legado no Brasil e voltou a ocupar espaço de destaque nesta eleição. Na teoria, a Lei de Acesso à Informação (LAI) determina que a transparência é a regra, e o sigilo, a exceção. Contudo, no governo Jair Bolsonaro (PL), o abuso político do sigilo impôs grandes limitações ao direito dos cidadãos de eliminar segredos. Apesar da promessa de seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de "revogar os sigilos de 100 anos" impostos por autoridades do governo Bolsonaro, desfazê-los exige mais do que simplesmente emitir um decreto presidencial.

O sigilo é constituído por processos administrativos, e sua revogação somente acontece por meio do mesmo procedimento. Quando Lula fala dos "sigilos de 100 anos", ele está se referindo especialmente a decisões tomadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e outros órgãos do Executivo. Essas decisões legitimaram o segredo de várias informações, como o processo disciplinar instaurado contra o então ministro da Saúde e deputado federal eleito, Eduardo Pazuello (PL-RJ), e os registros de entrada e saída do Palácio do Planalto. Trata-se, portanto, de decisões tomadas em procedimentos administrativos com autoridades decisórias especificadas em lei e, por isso, o presidente da República não tem o poder de desconstitui-las por meio de um decreto.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) disputam o segundo turno das eleições presidenciais - Pedro Ladeira/Folhapress e Gabriela Biló/Folhapress

Quais seriam, então, os instrumentos adequados para desconstituir esses segredos? A resposta está no fortalecimento do próprio procedimento por meio do qual informações estatais se tornam públicas. Veja-se o que ocorreu no caso Pazuello: quando o processo chegou à CGU, a área técnica do órgão elaborou um parecer longo e detalhado, argumentando que a informação deveria ser considerada pública. Contudo, a área política da instituição divergiu, afirmando que, no caso do Exército, existe uma lei que excepciona a transparência.

Esse caso evidencia os desafios futuros. Em primeiro lugar, não houve exatamente um sigilo de 100 anos. Na verdade, a decisão da CGU no caso Pazuello determina um sigilo eterno, pois não há prazo de extinção para sigilos determinados por lei. Em segundo lugar, não é possível que Lula, se eleito, revogue por decreto decisões tomadas a partir de procedimentos estabelecidos em lei.

Juridicamente, a forma mais correta seria retomar esses processos administrativos; contudo, reforçando-se a opinião técnica do órgão, não atribuindo o poder decisório final a autoridades indicadas politicamente. No caso dos registros de entrada e saída do Palácio do Planalto, as informações foram "classificadas" como "reservadas", o que praticamente impede qualquer procedimento de revisão do segredo.

É preciso reforçar a independência da CGU. A indicação das autoridades máximas desta instituição está nas mãos do presidente e, portanto, a autonomia depende de sua boa vontade. Além de mudar o processo de indicação, a solução é assegurar que a CGU seja guiada por agentes políticos comprometidos em respeitar as opiniões técnicas. A transparência é a base da democracia. Há muito em jogo.

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