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Hussein Kalout

A paz climática e o Brasil

Nova visão engloba tanto emergência ambiental como segurança humana

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Hussein Kalout

Cientista político, professor de relações internacionais e pesquisador na Universidade Harvard; ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018, governo Temer)

A segurança humana, em todas as suas dimensões —social, econômica, política e cultural—, está ameaçada pela piora da situação do clima. Nesse sentido, o secretário-geral da ONU, António Guterres, colocou a prevenção de conflitos no topo da agenda "Paz Sustentável". A agenda reconhece que os conflitos contemporâneos podem ser alimentados por uma variedade de fatores sobrepostos, incluindo as mudanças climáticas.

Nesse contexto, o Brasil tem um papel decisivo na construção de um mundo mais pacífico e sustentável, seja por conta da sua tradição de buscar a solução pacífica dos conflitos, seja pela sua imensa responsabilidade climática ao controlar boa parte da maior floresta tropical do mundo. Ato contínuo, as eleições geraram grande expectativa internacional sobre como o futuro governo brasileiro orientará sua política ambiental e externa.

No dia da vitória, o discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não deixou espaço para dúvida: "O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica". Por conseguinte, a pedra angular do protagonismo brasileiro nas relações internacionais é a retomada total de nossas posições em matéria ambiental.

Dessa forma, o presidente eleito tem a oportunidade de lançar uma inovadora iniciativa global denominada "paz climática", cujo objetivo é fazer um chamamento à necessidade de se pensar a paz mundial à luz da emergência climática, tendo a Amazônia como foco.

A paz climática é um conceito mais amplo do que os debates que guiam as discussões atuais sobre as mudanças climáticas. Trata-se de uma visão que engloba concomitantemente emergência climática e segurança humana. Isto é, só há segurança humana com respeito ambiental e desenvolvimento sustentável, e só se controla a mudança climática com segurança humana. Esse conceito tem o potencial de ganhar aderência e tração se for lançado pelo Brasil e, em particular, pelo futuro presidente Lula. Isso porque envolve três constatações centrais para uma nova política climática e securitária para o Brasil.

Primeiro, a constatação de que ameaça à segurança internacional depende das percepções do que sejam as ameaças. Ou seja, depende de como as comunidades enxergam as necessidades securitárias. As ameaças à segurança humana não são estáticas e sólidas, mas dependem de como os atores políticos e sociais as percebem e como destinam seus recursos para combatê-las.

Segundo, a constatação de que competição por recursos naturais é intensificada pela crise climática. O desflorestamento desertifica a terra e impele o cidadão a derrubar a mata seguinte. Constrói-se assim um ciclo vicioso, no qual a disputa por recursos tendencialmente escassos incentiva a destruição adicional do mesmo bioma, transpassando as fronteiras dos países e colocando as populações locais em risco.

Terceiro, a constatação de que apenas uma cooperação internacional que fortaleça os Estados locais pode produzir a paz climática e debelar a percepção de ameaça. Ou seja, é praticamente impossível dar uma resposta securitária e ambientalmente correta à disputa por recursos usando apenas a cambaleante força do Estado brasileiro ou de qualquer outro país da região.

A paz climática só será efetivamente implementada por meio de uma cooperação internacional que fortaleça a capacidade dos Estados locais de fiscalizar e controlar os biomas e de incentivar atividades econômicas alternativas que não destruam a floresta.

Isso deve ocorrer sem que o Brasil e os demais países amazônicos percam sua soberania territorial. Pelo contrário, é a conjunção de Estados nacionais presentes e capazes, com acordos regionais e internacionais que fortaleçam estes mesmos Estados, que assegurará a paz climática em uma região como a Amazônia.

A COP27, no Egito, termina nesta sexta-feira (18). Lula participa ao lado da delegação brasileira e já anunciou que o combate à crise do clima será prioridade. Trata-se de um ensejo único de externar ao mundo que a busca pela paz climática será a missão ambiental deste novo Brasil.

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