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Rafael Calabria, Annie Oviedo e Aline Leite

A tarifa zero para os ônibus de São Paulo seria uma política correta? SIM

Longe de utópica, medida democratiza deslocamentos e aquece a economia

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Rafael Calabria, Annie Oviedo e Aline Leite

Respectivamente, coordenador, analista e pesquisadora do Programa de Mobilidade Urbana do Idec

A tarifa zero é uma mudança no uso e financiamento do transporte coletivo: em vez de pagar a cada viagem, a sociedade, em sua totalidade, passa a financiar o serviço essencial da mobilidade urbana, como já acontece com a saúde, a educação, o saneamento. A implementação da tarifa zero está longe de ser uma utopia: cresce cada vez mais o número de cidades que a colocam em prática, com benefícios duradouros.

No país há mais de 40 cidades com tarifa zero, como Maricá (RJ), Caucaia (CE) ou Paranaguá (PR), além de bem-sucedidos exemplos no exterior, como Tallinn (capital da Estônia), Kansas City, nos EUA, e Dunkerque, na França. Nessas cidades, o aumento no uso do transporte coletivo é notável: o volume de pessoas transportadas triplicou em alguns sistemas. Há, ainda, relatos positivos dos usuários em busca de emprego ou empreendendo a partir do acesso livre ao transporte.

Passageiros em linha de ônibus para o aeroporto de Boston, cidade que testa gratuidades pontuais no transporte - Brian Snyder - 19.abr.22/Reuters

A adoção de passe livre nas eleições de 2022 trouxe atenção ao tema. No segundo turno, quase 400 cidades tiveram alguma forma de tarifa zero nos transportes. Apesar de não conseguir determinar a adoção em todo o país, o Supremo Tribunal Federal, em sua decisão, apontou que "guardam plena coerência com o texto constitucional, e a medida por ele postulada é uma boa ideia de política pública".

A tarifa zero é, também, uma medida justa: toda a sociedade se beneficia dos seus impactos, utilizando ou não o transporte coletivo. Sua implementação aumenta a eficiência no deslocamento das pessoas, melhora o acesso a equipamentos e serviços públicos, aquece a economia urbana e contribui para uma sociedade mais justa e igualitária.

A experiência que as cidades vivenciaram no período eleitoral deixou legados importantes: incentivou outras ações, como o passe livre nos dias de provas do Enem. Além disso, cidades como Florianópolis e Recife criaram a gratuidade aos fins de semana. O debate em São Paulo agora em curso também foi influenciado por essas experiências.

O passageiro Felipe Okelly, 27, que utiliza dos serviços gratuitos de ônibus e bicicletas oferecido pela Prefeitura de Maricá (RJ) - Lucas Seixas - 18.ago.22/UOL

No caso paulistano, há o desafio da dimensão da metrópole, com uma rede de transporte maior e mais complexa. São Paulo é, contudo, uma cidade com recursos e capacidade técnica para gerir o projeto. A capital tem, também, uma regulamentação mais avançada para buscar recursos próprios para o passe livre, como IPTU progressivo, taxação dos aplicativos de transporte ou até propaganda nos ônibus.

O custeio público permite o controle direto da remuneração das empresas, ampliando a transparência e facilitando a exigência de critérios de qualidade, desde a frequência das linhas até a eletrificação, que tem se tornado uma novela na capital. Será necessário ainda analisar o aumento da demanda e a integração com os trilhos, mas os desafios são gerenciáveis, especialmente se o processo contar com participação popular.

Essa política, sozinha, não resolve todos os problemas das nossas cidades, mas é um passo importante para reduzir desigualdades socioespaciais, redistribuir o espaço viário e fazer frente à emergência climática —questões centrais em um planejamento urbano mais moderno, que a tarifa zero tem muito a contribuir.

O modelo tem se mostrado uma medida fundamental para garantir o transporte como um direito, acessível a toda a população, funcionando como garantidor de direitos em um país marcado pela desigualdade e em que a tarifa é mais uma barreira para uma vida coletiva mais livre e democrática.

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