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Edmar Bacha, Guilherme A. Tombolo e Flávio R. Versiani

Que PIB é este? Uma releitura de 200 anos da economia brasileira

Não houve estagnação no século 19 nem crescimento a passos lentos

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Edmar Bacha

Diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Guilherme A. Tombolo

Doutor em economia pela Universidade Federal do Paraná

Flávio R. Versiani

Professor de economia da Universidade de Brasília

Na interpretação da história econômica brasileira desde a Independência, há um consenso que entendemos ser equivocado. Em artigo recente, Gustavo Franco (O Globo/O Estado de S. Paulo, 31/7) assim o expressa: "Salta os olhos o desempenho ruim dos primeiros 100 anos (...) seja em termos absolutos ou comparativamente a outros países ditos de assentamento recente. A República Velha exibe um desempenho melhor, mas os anos verdadeiramente dourados para o crescimento parecem ser os do período 1949-80".

Concluímos recentemente dois artigos acadêmicos que reestimam o crescimento econômico brasileiro desde a Independência: o primeiro no período 1820-1900, e o segundo, 1900-80 (ambos disponíveis no site do Iepe/Casa das Garças). Eles não desconstroem o consenso, mas o qualificam de forma substantiva.

Em primeiro lugar, o século 19 não foi um período de estagnação econômica no Brasil, como quer o Maddison Project, a bíblia da história econômica quantitativa mundial. Não foi nem mesmo um período de crescimento "a passos lentos", como o qualifica em seu título livro recente de Marcelo Abreu, Luiz do Lago e André Villela (Edições 70, 2022).

harge histórica, reprodução da Revista Ilustrada, é uma das ilustrações do novo livro de Jorge Caldeira, "História da riqueza no Brasil", que chega em outubro pelo selo Estação Brasil (Sextante). A imagem abre a segunda parte do livro, que aborda os anos de 1808 a 1889, e faz uma crítica à maneira como o Segundo Reinado conduzia o Brasil: enquanto o país dormia, o capitalismo crescia exponencialmente lá fora.
Charge histórica, da Revista Ilustrada, utilizada no livro "História da Riqueza no Brasil", de Jorge Caldeira - Divulgação

De acordo com nossas contas, a evolução da economia brasileira foi normal para a época: entre 1820 e 1900, a taxa de crescimento do PIB per capita foi de 0,9% ao ano —índice similar ao de nossos vizinhos latino-americanos e da Europa Ocidental. O Brasil cresceu menos que os EUA, mas isso apenas porque o crescimento deste país foi excepcionalmente alto. Chegamos a esse resultado usando procedimentos parecidos com os do Maddison Project, mas com séries estatísticas recentes mais confiáveis e metodologia mais apurada.

Em segundo lugar, o crescimento do PIB per capita brasileiro foi realmente elevado de 1900 a 1980, mas não tanto quanto sustentam as contas nacionais. Incluindo nessas contas as atividades de serviços de lento crescimento, que elas deixaram de fora, em vez de 3,2% o PIB per capita cresceu 2,5% ao ano nesse período. Nos "anos de ouro" do pós-guerra, aos quais se refere Gustavo Franco, o crescimento do PIB per capita foi de 3,3% ao ano, não os 4,5% que constam das contas nacionais.

O consenso historiográfico consagrado nos números do Maddison Project nos diz que o PIB per capita brasileiro nada cresceu no século 19 e então passou a crescer 3,2% ao ano entre 1900 e 1980. Uma quebra estrutural e tanto! Nossa pesquisa sugere que essa suposta quebra é em boa medida ilusão estatística.

Medida de forma que entendemos mais correta, não é tão grande a diferença de crescimento entre um século e outro: 0,9% no século 10 e 2,5% entre 1900 e 1980 —ou seja, 1,6 ponto percentual de diferença, metade dos 3,2 que nos faz crer o consenso historiográfico.

Longe de nós a pretensão de dar a última palavra sobre o tema. Medir PIB, especialmente no século 19, é tarefa espinhosa, porque não há como fazê-lo de forma direta —somente por aproximações com grande margem de erro. O que arguimos nos dois artigos é que nossas contas fazem mais sentido do que as disponíveis atualmente. Deixamos aos estudiosos a tarefa de aprimorá-las.

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Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste artigo dizia que o século 10 teve crescimento de 0,9%. É século 19.

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