A soltura do multicondenado Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, evoca inevitavelmente o ocaso da Operação Lava Jato, da qual foi um dos alvos mais vistosos. Mas é ilustrativa também da proverbial impunidade que o sistema de Justiça brasileiro ainda pode proporcionar a poderosos.
Cabral chegou a ser alvo de 37 ações penais e a receber 24 condenações, com penas que somaram mais de 400 anos de prisão, por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e chefia de organização criminosa. Confessou ter pedido propinas e tentou acordo de delação premiada.
Entretanto se mantinha encarcerado apenas por uma ordem de prisão preventiva de novembro de 2016 —obviamente abusiva e agora revogada. O ex-governador fluminense ficará em prisão domiciliar em razão de outro dos muitos processos do qual é alvo.
É certo que esse e mais abusos foram tolerados ou minimizados em razão do enorme prestígio popular, político e institucional amealhado pela Lava Jato, deflagrada em 2014, nos seus primeiros anos.
Afinal, desvendava-se um descomunal esquema de corrupção instalado na Petrobras, a maior estatal do país; grandes empreiteiras e seus dirigentes confessavam superfaturamento e devolviam dinheiro; políticos de todas as dimensões iam parar atrás das grades.
Com o tempo, o impacto das revelações espantosas foi dando lugar a mais questionamentos aos métodos da operação —cuja credibilidade sofreu abalo incontornável quando o então juiz Sergio Moro, agora senador eleito pelo Paraná, decidiu em 2018 compor o governo de Jair Bolsonaro (PL).
As maiores derrotas da Lava Jato ocorreram no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu anular sentenças de Moro, flagrado em conversas impróprias com procuradores, e reabilitou o hoje presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre a ascensão e a queda da operação anticorrupção, o mesmo STF avançou e retrocedeu em norma fundamental para limitar a impunidade —a possibilidade de execução de penas após a condenação pela segunda instância do Judiciário, firmada em 2016, e abandonada apenas três anos depois.
Com a reviravolta, perdeu-se a oportunidade de adotar no país práticas prevalentes na maioria das democracias desenvolvidas. Mantiveram-se fartas possibilidades de recursos que prolongam processos e favorecem sobretudo os réus que podem dispor de advogados caros e influência. O que não deixa de ser o caso do próprio Cabral.
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