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O que a Folha pensa inflação

Retomada em risco

Visão ultrapassada e corporativismo minam a confiança antes da posse de Lula

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O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Ueslei Marcelino/Reuters

Há —ou havia— uma oportunidade diante do novo governo. Em contraste com o atraso civilizatório generalizado da gestão que se encerra no fim deste ano, o cenário econômico transformou-se para melhor.

O crescimento mostrou ritmo além do esperado, com o PIB avançando acima dos 3%, e o emprego teve retomada vigorosa. A inflação deixou o patamar de dois dígitos e se encontra em trajetória de queda mais adiantada que a de países ricos. A dívida pública voltou ao patamar pré-pandemia.

É verdade que existia a necessidade de recompor os recursos do Orçamento para o amparo às famílias carentes. Também é fato que os preços ainda inspiram cuidados, os juros estão muito elevados e a atividade se encontra em desaceleração.

Justamente por isso, a estratégia correta seria uma intervenção prudente na despesa pública, limitada ao suficiente para assegurar a assistência social. A responsabilidade fiscal facilitaria a queda da inflação e dos juros, e a economia poderia recobrar o crescimento sustentável, crucial para a redução da pobreza.

Foi outra, porém, a escolha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E, não por acaso, a recuperação que se podia vislumbrar ficou nublada em menos de dois meses após o desfecho da eleição.

Os petistas, que não parecem dispostos a dividir as decisões de governo, trataram de mais que duplicar a alta recomendável do gasto já no primeiro ano de Lula e a recuperar o discurso envelhecido de 40 anos atrás contra as privatizações —como se não fosse importante estancar a sangria dos cofres públicos com as estatais ineficientes e aumentar o investimento em infraestrutura e saneamento básico.

Aí se misturam conveniências políticas, compromissos com as corporações da máquina estatal e, pior, a crença pueril de que a prosperidade só pode ser alcançada com expansão contínua do Estado.

Inícios de mandato devem ser aproveitados para as providências difíceis que renderão frutos duradouros nos anos seguintes. Do novo governo se esperam, por exemplo, uma reforma tributária procrastinada há décadas e um plano para conter a dívida pública.

Por ora, só se viu a opção pela gastança, que quando muito produzirá um impacto de curto prazo na atividade produtiva. Para, na sequência, colherem-se mais inflação, juros e endividamento, com o consequente impacto negativo no emprego.

Eleito com margem mínima de votos, Lula tem menor margem para erro. Não poderá contar com um cenário internacional favorável como o de duas décadas atrás —ao contrário, o mundo desenvolvido registra inflação inaudita, juros crescentes e a possibilidade de recessão. Tampouco a desculpa da "herança maldita" encontrará eco além das hostes petistas.

A imprudência orçamentária, infelizmente, parece fato consumado. A chamada frente ampla, que ajudou Lula a chegar novamente ao poder, deve encarar a realidade: no lugar do esperado Lula 1, Lula 3 começa repetindo os erros de Dilma Rousseff.

editoriais@grupofolha.com.br

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