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João Feres Júnior

A defesa da comunicação democrática

Há de se combater as fake news, mas sem jogar o jogo da antidemocracia

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João Feres Júnior

Cientista político da Uerj e coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep)

O comunicólogo e colunista Wilson Gomes publicou artigo nesta Folha ("Governo Lula patina em comunicação digital e abre espaço a narrativas de golpistas", 20/1) no qual acusa o novo governo de "patinar na comunicação digital", abrindo espaço para narrativas golpistas.

É verdade, as notícias falsas não pararam de circular nas redes sociais e grupos de serviços de mensagem, inclusive aqueles que imputam os atos criminosos do dia 8 de janeiro a infiltrados da esquerda, denunciam mortes e maus-tratos de terroristas presos ou mesmo apontam uma suposta ditadura do ministro do STF Alexandre de Moraes. Contudo, ao contrário do que o publicista sugere em seu texto, esse problema não é daqueles que se resolvem da noite para o dia —e tal tarefa não deve ser de responsabilidade exclusiva do governo federal, na figura do Poder Executivo.

Pessoas jogam pedras na polícia durante ato golpista na praça dos Três Poderes, em Brasília - Pedro Ladeira - 8.jan.2023/Folhapress

O argumento geral do artigo é que o PT e o governo não se prepararam para a guerra digital com a direita. Isso não é inteiramente verdadeiro. Se em 2018 a candidatura petista sofreu uma avalanche de fake news sem, contudo, esboçar reação, em 2022, por boa parte do mês que antecedeu o segundo turno, foi Jair Bolsonaro quem se viu emparedado pela campanha que lhe moveu as hostes digitais da campanha de Lula, comandadas pelo deputado André Janones (Avante-MG).

Mas a lógica comunicacional da campanha não é a mesma do governo, assim como a comunicação do PT não deve ser confundida com a comunicação do governo. E há um problema que não se esgota nessas instâncias, que é a disseminação sistemática de notícias falsas em nossa sociedade. Esse problema não é somente do Partido dos Trabalhadores ou do governo Lula, mas de toda a democracia brasileira e, portanto, de todas as forças políticas e sociais preocupadas em mantê-la.

O governo federal tem uma enorme responsabilidade em combater esse mal, mas não só ele. Precisamos do empenho do Judiciário, do Ministério Público e do Legislativo nessa empreitada. Urge criar instituições ágeis na detecção e combate às notícias falsas, que unam capacidade técnica e agilidade de ação. É necessário que as big techs, que controlam os serviços de redes sociais e de mensagens, sejam instadas a colaborar para a criação de um ambiente comunicacional saudável em nosso país, criando uma regulação mais eficaz das atividades que ocorrem em seus canais.

Temos que atentar para um detalhe muito importante. A solução para o problema comunicacional da democracia não pode ser jogar o mesmo jogo da antidemocracia. A despeito do progresso no âmbito da comunicação digital que as forças políticas democráticas fizeram nos últimos anos, elas têm um impedimento estrutural de apelar para as mesmas estratégias da extrema direita.

Para além de ser o governo do povo, a democracia é um processo de produção de decisões coletivas no qual os participantes podem opinar, mas devem sempre estar abertos a aceitarem o melhor argumento, inclusive em detrimento de seu próprio. O esforço de se produzir o melhor argumento é um esforço de se estabelecer uma verdade entre as partes. Não há lugar aí para mensagens cujo objetivo seja manipular a opinião por meio do falseamento dos fatos.

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